AGUACEIRO
®Lílian Maial
 

 
Dou trombadas pelas paredes, arranjo galos substantivos.
Sou um caso raro de poesioma crônico.
Se não tenho respostas, descarrego nas palavras.
Elas têm consistência de talvez e cor de espanto.
Espremo um verso e drena um pingo.
Palavras têm cheiro de chuva.
Deveria chover palavras e, assim, palavrar os pastos e as montanhas.
Poderíamos passear na chuva e colher verbos respingados do telhado.


Quando chove, tudo molha, não apenas meu corpo enrijecido.
A água amolece tudo, só não desperta meu pensamento de pedra.
O sono é pesado na balança dos anos.
Sou obesa de versos, conversiva.
Descubro poemas na pele, como essas manchas do sol.
Uma, três, dez, a cada dia mais e mais poemas solares.
E vem a chuva e me encharca de palavras,
Deixa a oração colada ao corpo, eriçada memória.

 
Preciso secar a umidade das metáforas.
Há bolor nas palavras guardadas nas prateleiras.

 
Tenho receio daquilo que vejo.
Preciso voltar ao tempo de maria-mole e desaprender desapegos.
Saía na chuva e apenas sentia água e atrevimento.
Hoje, temo as verdades inundadas de partidas.
Anseio pela cegueira da palavra enucleada.
Então, com ares de certeza, daria trombadas pelas paredes,
Sentiria o cheiro da garoa de letras,
E ouviria as águas, o choro, a escoar,
Como no olhar perdido da pedra.

 
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