Aquele dia 23

"Ah! Minha ruína é pior que a de Tebas!

Quisera ser, numa última cobiça

A fatia esponjosa de carniça

Que os corvos comem sobre as jurubebas!"

(Augusto dos Anjos - Tristezas de um querto minguante)

Dois sinos tocam na multidão:

O acaso e a sorte.

Um cigarro queima a sensível pele

E o branco coração.

Nesta cor não sei se há sorriso

Ou choro contido.

Há tudo que nunca me serviu de fato.

Essas roupas molhadas são combustíveis

Da cena rubra, que eu pedi e não cri.

Músicas que tocam no alpendre

Trazendo toda a melancolia do depois.

Mas deixe-me viver o antes -

Memória, que em cada presença me encerra -

E pisar no barro da inquietação.

Mas não foi afogada que eu morri.

Dança curta, beijos longos,

A fotografia de um retrato da mentira;

Só de uma.

Os olhos alheios, a quase exuberância

Das bocas

E o meu crer e descrer do amanhã

Em vinte e poucas horas de fuga

E do desvelo tardio do reconhecimento

Daquele mito universalmente conhecido.

Maria Clara Dunck
Enviado por Maria Clara Dunck em 30/09/2006
Código do texto: T252941
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