PEQUENO POEMA FÚNEBRE DE AMOR À VIDA

quero morrer

de sábado para domingo

com aquele sorriso satisfeito

de quem jogou bingo

e ganhou

que seja à hora do almoço

o concorrido funeral

daquele que morreu tão moço

que teve direito a caixão branco

donzelas desiludidas aos prantos

e uma notinha no jornal

quero morrer de madrugada

e, se dormindo estiver, não me acorde

porém se estiver acordado, por favor

garanta-me que partirei como um lorde

entre bronzes e cetins

que seja um acontecimento memorável

onde falte vagas para os carros

e que um grande zepelim inflável

cruze os céus portando a triste nova

que enfim o destino me levou à cova

dos Mendes e dos Barros

quero morrer sem dor

de mal-súbito, de infarto fulminante

ligeiro, de queda única

e ainda deixar um sorrisinho triunfante

de quem comeu e gostou

que seja em dia de estiagem

pois a chuva afasta curiosos

desejosos de me ver partir para tão peculiar viagem

de unhas feitas e as mãos cruzadas sobre o peito

bem encaixado em meu novo e encerado leito

onde a partir de então descansarei meus ossos

quero morrer, sim

mas talvez espere mais um pouco

que a vida me agracie com algo mais

mais um pouco das coisas boas que nos deixam loucos

a dançar feito criança

que seja mais tarde

quando do mundo não se puder colher sequer uma flor

e a pequena chama que, débil, insistente arde

sucumbir à grandeza da escuridão

transformando tudo em vazio e solidão

instituindo o sofrimento e a dor.