RESPINGO

em dias de chuva,

a luminosidade de velório

vê pingos fortes batendo na janela.

preciso acender a dor

apurar mais a vista,

preciso procurar o endereço

do amigo sem notícias,

preciso desdobrar o cobertor

mofado do ano passado,

preciso comprar algumas velas,

com certeza, a luz faltará!

em dias de chuva,

bichos de asas me invadem:

lhes dou guarida, quentura e silêncio.

preciso achar as bacias

aturar os pingos da casa,

preciso saber das últimas

notícias em baixo do braço,

preciso do bandônion de Piazzolla

trocar as pernas com um tango,

preciso esquecer os jornais manchados

molhados quais panos de chão.

Dias de chuva

exalam mau hálito da terra:

cheiro de perda, árvore de mortos!

E, se por um segundinho,

o toró estia

falo teu numero ao telefone

enquanto o bandônion do Piazzolla tropeça

na vitrola carregada em discos de vinil.

Sei, o chover ocupou as linhas!

Mas eu preciso saber

se estás ou não molhada

se saio à rua em busca de vitamina C

ou se te encontro na saída da Faculdade.

Quero andar contigo de mãos dadas

saltando as poças da infância

com roupas transparentes

cheinhas d’água.

Quero contigo fechar a porta da casa

onde abriga meus bichos de asa,

enxugar-te nua à luz do corpo

respingado pelo dia chuvoso.