Medo de cobra preta

Fui menina pequena

Lá dos fundos da Bahia

Lembranças boas tenho no peito

Cabelo de trança, pés descalço e muita alegria.

Brincar na beira do rio até a noitinha

Engolir piaba viva e sair nadando na lagoa

Era aula de natação para a criançada

Que vivia rindo atoa.

Minha mãe uma guerreira

Mas vivia a reclamar

Das traquinagens da filharada

Que só pensava em brincar.

Fim de ano era na fazenda

Tempo de chupar jabuticaba e manga no pé

Raspar o tacho do requeijão

E brincar com os filhos de seu Boré.

Corria livre como pássaro

Nas veredas daquele sertão

A única coisa que temia

Era cobra no mato e bicho-papão.

Tinha a cascavel e a tal da cobra preta,

Uma era morte certa e a outra uma atrevida

Que invadia a casa alheia

Em busca de leite de mulher parida.

E eu garanto pra vocês

Que não se trata de uma lenda

Pois isso eu vi acontecer

Lá na nossa fazenda.

Minha mãe de barrigão

Encaminhemos todos pra lá

Já era tempo de nascer

Mas nada que preocupar.

- É só mais um fio. - Como dizia a vovó.

Parto natural, sem eira nem beira,

Se a bolsa estourasse

Era só sair correndo atrás da parteira.

Não será difícil pra vocês

Adivinhar o que aconteceu

Três dias depois que chegamos

A menina nasceu.

Galinha caipira com pirão

Festejava o nascimento

Ninguém se dava conta

Que começava o meu tormento.

Chegava a noite e todos iam dormir

Eu ficava de sentinela

Sabia da história da cobra preta

E ficava esperando por ela.

Meus muitos irmãos já dormiam

Quando ouvi um barulho estranho

Gritei: - Pai! Acenda a luz!

Um susto sem tamanho.

Meu pai veio correndo

Vê o motivo da confusão

Uma enorme cobra preta

Descia a chaminé do fogão.

Nunca senti tanto medo

Perdi o sono com certeza!

Mesmo com o problema já resolvido

Passei a noite em cima de uma mesa.

No dia seguinte bati o pé

Naquela casa não ficava mais nem um dia

Meu pai não teve escolha

Mandou-me pra casa da minha tia.

Passei aquelas férias intermináveis

Longe das coisas que mais gostava

Banho de rio e manga madura

Os filhos de seu Boré e os pés de jabuticaba.

Renilda Viana
Enviado por Renilda Viana em 12/11/2010
Reeditado em 17/05/2019
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