capão da imbuia – campo comprido

no diminuto espaço

que me permite o ônibus

respiro hálitos tristes

restos de um ontem

que renasce

no pisca-pisca do fusca vermelho

no viaduto que evita os trilhos

no relógio-termômetro

da rodoferroviária

no trem infalível

a dilatar os atrasos

cálculos mentais incontáveis

me atropelam o peito

estandarte de cacos

sobre mim os olhos

perpassam escorregadios

quiçá este inverno

não surte em meningites

e gripes

e baste a si mesmo o gelar os ossos

e os sonhos que ficaram todos impressos

no travesseiro improvável

meu lócus agora é meio

e não há que fazer

a carne é fraca

e se comprime o quanto pode

na fraqueza da outra carne

ninguém aqui habita o presente

apenas eu neste instante

sorvendo do ônibus

seu cheiro mais abjeto

seu perfume sublime

todos vêem o futuro

e recriam ou desejam assassinar

o passado

velhas senhoras

office-boys

meninas venturosas

sem céu

longe longe daqui

a nova parada me brinda

com a vastidão de um metro quadrado

ah, meu Deus, obrigado pela amplidão

que me refresca as esperanças

e a velha dorme um lugar impossível

por onde caminha seu secreto palácio de sonhos?

nos bailes de 30, 40 anos atrás?

na conta vencida da água?

no formigueiro de cortadeiras

no canto da cozinha?

na neta de nove anos?

no jabá no molho desde ontem à noite?

no último comprimido de renitec?

no futuro que era mais belo

tempos atrás?

vai longe e impenetrável

seu pouco instante de paz

só sei da velha que beira os 70

é evangélica e tem uma expressão bondosa

mesmo neste mundo de merda

(se caio desmaiado

um pacote no chão

alguém me socorre?

me levam a mochila?

chamam a ambulância?)

no terminal do campina do siqueira

nascem um bancos vazios

e me deixo sentar

e calar os olhos da poesia