Recado

RECADO

Mãe, traga meus cigarros

Muitas cervejas depois

Hoje é meu dia de morte

E enquanto duro

Quero derramar lágrimas de álcool

Bafo de cachaça e nicotina.

Teu filho morre às nove,

Talvez mais tarde...

É preciso chamar a família

Cujo zelo justifica o morto

E gosta de velório

Caretas, lamúrias e óculos escuros.

Mãe, chame minhas mulheres

Que saberão chorar suas cotas

Todas, afinal, percentualizadas.

Chame todas, menos uma.

Menos aquela

Através da qual amei os homens

E acreditei na vida.

( Hoje estarei morto

Mas já não tê-la era meu autêntico óbito ).

A ela não deixe retocar a carne podre

Nem os lábios frios.

As outras, mãe, deixe.

Deixe que salguem os olhos duros

Pois rígido

Não saberei reconhecer em nenhuma

Senão fotografias trêmulas

Perdidas em álbum perdido.

A essas, deixe.

Deixe que atirem rosas ao peito inerte

Pois dilacerado

Em nenhuma eu serei a marca da cicatriz.

Menos aquela

Através da qual apostei na esperança

E perdi.

Morrerei às nove

E não posso retroceder a partida

Estou morto, mãe,

Só morto para suportar o desmanchar das cores.

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 14/10/2006
Código do texto: T264400