[Entardecendo-me]

Lutava-se para acender o fogo para o jantar,

e a tarde — o que dizer... — era uma tarde assim,

de faca cega e parcas carnes duras; e ao redor da casa,

ouviam-se falas truncadas pelos gritos das aves

que traziam a noite num bater de asas em busca de pouso.

A melancolia de tudo crescia na mesma razão

que o avolumar das águas que tocam o monjolo,

mas eu cuidava para que as pancadas no pilão

não quebrassem a minha teimosia de viver,

nascida do medo ou do meu [inútil] senso de eternidade.

Deitado no banco da sala, vi as telhas dissolvendo-se

na penumbra que tomava conta da casa; e logo,

uma luz frouxa tremulou contra uma parede;

cabe então perguntar: o que pode haver de mais triste

que uma lamparina acesa no lusco-fusco?

Já desperto, olho ao meu redor, acendo todas as luzes,

e grito para a rua: se esta vida não é mesmo uma trapaça,

então, por onde andará quem me falta nesta hora?

Ah, como são tristes as luzes da cidade anoitecente;

não será tudo uma questão de entardecer aqui... ou lá?

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[Penas do Desterro, 15 de outubro de 2006]