Saudade, palavra quase obscena
As ondas desta memória desfaziam-se,
na espuma cansada,
contra rochas suspensas na superfície do oceano,
desculpas esfarrapadas,
medos medonhos sem farol orientador
luzeiros na estrada subindo monte diabólico
onde o lobo,
o autólico iluminado por suave lua cheia,
uivava no sonho de criança embalada pela respiração
de um gigante meigo,
apenas sorri ouvindo orquestra
de sons dispersos,
escondendo desertos infindáveis nas solidões
vividas,
choro escondido por furacão violento
seguido de tsunami purificador,
como tartaruga enorme,
parindo no virgem areal,
nenhuma mágoa,
saudade,
palavra quase obscena,
dos momentos balanceados
numa barca de madeira rangendo, castigada
pelos ventos de norte vindos de terra firme,
revoltada,
uma casca de noz no meio de iras colossais
indomáveis.
Lembro me de ter saído das grutas algum tempo depois,
amanhecia,
pássaros cantavam
nos galhos de árvores seminuas,
reinícios repetidos,
ninguém quis tanto ver o mar
como eu,
naquele mesmo momento.
Autólico. Do grego, autos = próprio; + lykós = lobo. O próprio lobo, (“Vida da palavra, nascimento vida e morte das palavras” Frei Hermínio Bezerra