A DOR CONFESSADA

As palavras são de todos

Que o poema não é meu

Mas a dor, essa tristeza

Somente a mim pertencem

Uma solidão que escraviza

Escrita em esperanto

Para um amor sem esperanças

Que ainda exala seus encantos

Nas ruas, sou o branco no negro

Grão de areia no deserto de Gobi

Apátrida sem eira que espera do céu

Quem fale sua língua e o console

A casa tornou-se sarcófago

Onde se conserva o corpo

De quem há muito está morto

Aguardando futuro próspero

Essa coisa que me toma e leva ao céu

É pleno sofrimento de um desejo

Que não me tomba, não me descarna

Mas tolhe minha vista com seu véu.

Um amor que me tirou a razão, a vida

Que me roubou as sensações

Transformou-me em cousa insípida

Que não sabe expressar as emoções

O riso difícil, o rosto de pedra

A palavra escassa, a eterna espera

As mãos de estivador, ombros rochosos

Apenas para fazer frente ao que o espera

Um homem forjado no breu

Ferido de morte que sobreviveu

Que devastou seus inimigos

Deliciou-se com perigos

No intento de morrer de uma vez

Foi sobrevivendo a cada golpe

Como se o amor fosse torturador

Para mantê-lo vivo sob seu chicote

Com o tempo desesperado passando

As esperanças acenando mãos tristes

Tornou-se objeto inventado dos sonhos

que tivera de um amor que ao tempo resiste

As letras a todos pertencem

Que o poema não tem dono

Mas a dor, a esse direito eu reclamo

Que ela é minha; não a abandono

Não poderia viver no mundo dos felizes

Não caberia no espaço dos civilizados

Não teria lugar para mim na alegria

Que meu coração foi do corpo separado

O que minha mão escreve

O corpo desconhece.

As palavras que confesso

Minha vida não esquece.

Essa tristeza sem igual, sem propósito

Essa imagem que guardo de ti

Esse desespero para que chegue o fim

E finde o amor por quem não mora em mim.