Sinestesia consciente

Violino que toca suave em sonho breve

sem recordação ou anjo branco deixado

para trás, esquecido, no acordar, despertar,

apenas esse vago som, desconhecido,

angelical jamais repetido, cheirado,

o sorriso da alvorada mesmo encoberta

por chuva torrencial de trovões dispersos,

reaparecia timidamente, sem reflexos azuis

nas gotas presas em ramos de árvores nuas,

deixou se ficar estático, inerte, preso a cadeira

revendo vida ensonada onde heróis desapareciam

engolidos impiedosamente por morfemas

que alteravam a palavra sem permissão, fragmentos,

amor esquecido no fechar de portas pesadas

como chumbo prateado nas traições a si próprio,

no beijo sem sabor, no sexo apenas animal

casual sem carinho, masturbação da carne vermelha,

vinho escorregando, pouco depois vomitado

nas noites de esquecimento, solidão impermeável

ou ajuda de dedos na garganta, de companhias

dispersas perdidas num qualquer bar imundo, negro,

sem esperança em lições de vida fez se à estrada

aguardando qualquer desfecho, apenas um final,

rápido, impiedoso, incolor, indolor, escolheu uma

ponte bem alta saltando num impulso único, sem cor,

desde sempre sabia que num dia qualquer

encontraria maneira de reencarnar na antítese,

mesmo num simples sonho forçado e amarelo,

na sinestesia consciente das percepções, sensações

voltou a acordar então...