O teu colo.

Quero o teu colo como abrigo.

Quero a tua mão na minha fronte.

Pois a vontade de estar contigo

É como ter sede junto à fonte!

Quero beber-te em desatino

matar, sem nunca matar, a minha sede!

Estando a teu lado, tenho como destino

o de um peixe prateado preso na rede...

És ponte que atravesso sem pensar

se na outra margem há algo para mim...

És caminho que me leva sem levar

a qualquer lugar ou a qualquer fim!

Guias os meus passos e passeios

e ris do desacerto do que visto

choras de prazer quando toco os teus meios

e te abandonas, mansa, quando insisto!

Vens procurar delícias

que para ti guardo em segredo

provocas-me com carícias

para que te profane sem medo.

Essa manha felina com que te deslocas

faz cócegas na minha imaginação!

Nessa posição em que te colocas

pedes que te visite com ambição...

Carne cheirosa e boa

desejo que confina a liberdade

de nunca te amar à toa

de amar-te sempre, até à saciedade.

Palavras que a poesia não tem

sem elas não te digo ao que vim

não há palavras para o bem

de desaguares o teu gozo em mim...

De escancarares a fenda da paixão

de a encaixares em mim com justeza.

Não há como descrever essa emoção

de te sentir tão livre estando tu tão presa!

Essa fusão de corpos em ebulição

que causa suor e riso e encantamento

é aquela parcela da ilusão

em que somos Deuses por um momento...

Amar-te é descobrir o que realmente importa

amar-te é ir além do estado corporal

amar-te é saber que ao bater-te à porta

tu te abres numa agonia quase terminal...

Porque o gozo que nos damos

é uma hemorragia quase letal

que não mata nem causa danos

nem faz sofrer nem faz mal...

É morte por segundos

é perecer por instantes

é vagar entre dois mundos

com emoções latejantes!

Quero o teu colo manso e molhado

quero sentir o teu perfume

quero esse teu fogo aliviado

em lágrimas sem azedume!

Quero só que chores de paixão

quero que o desejo te encaminhe

e que o teu caminho seja a razão

de acabares em mim quando eu termine...

Jacinto Valente
Enviado por Jacinto Valente em 12/02/2011
Reeditado em 19/02/2023
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