MEMBRANA DE OSMOSE I-XV

MEMBRANA DE OSMOSE I

(Para Tânia Lefèvre)

Opaco

Fica meu coração, se não te encontro

Nas revoadas de rostos que me cercam

E que mastigo indiferente, naco a naco.

É como um caco

A busca abjeta por teu reencontro,

O esforço inútil para que me percam

Esses rostos que alvejo com meu taco.

Todavia,

Eles retornam, em vezo de insistência,

Impedindo que teu rosto sequer veja,

Quando tua boca para mim luzia.

Enfia

Minha alma nesse fio de tua dolência,

Para que sempre de ti perto eu esteja,

Que seja o terço que tua mão desfia.

Ou não esperes

Que fiel a uma só flor eu permaneça,

Por mais que o coração nunca te esqueça,

Acidulado no fulgor da nostalgia.

MEMBRANA DE OSMOSE II

Jóia partida

Essa lembrança feita de escarmento

Que, por ser nova, tanto mais magoa

Em plena lida,

Pois a outra vida

Que, entre meus dentes, servia de alimento

E que me sustentava, ainda que doa,

Se foi, perdida.

Já não consigo

Recompor a memória mais antiga,

Que me era grata e na qual me refugiava,

Qual em jazigo.

Porque, contigo,

Fui encontrar-me de novo, triste amiga.

Por que voltaste ao sonho que cantava

No meu abrigo?

Porque, agora,

É tua tristeza nova que percebo,

Teus olhos velhos já não mais concebo,

Nem nossa hora.

MEMBRANA DE OSMOSE III

Talvez viesse,

Coberta assim de inverno e primavera,

Depositar seu hálito e perfume

De mim no fundo.

Talvez quisesse,

Igual que eu, pôr cobro a tanta espera

E como a lua dissipar meu azedume

Em dom profundo.

Tratei-a bem,

Mas não dei margem a que nada me dissesse,

Por mais que parecesse apetecível

Um tal momento.

Senti, porém,

Querer lembrança de que nunca me esquecesse,

Furtivamente e em dom inexaurível,

Sem mais lamento.

Tudo se esvai,

Também se foi o instante de magia

E o pedido que fazer tanto queria

Nem sequer sai.

MEMBRANA DE OSMOSE IV

Tens as estrelas,

Cintilando ao final de cada dedo,

Mil gotas pálidas para meu albedo

Mas que não beijo.

E só de vê-las,

Desperta em mim a ânsia do segredo

Eclodir, num momento de reclamo

e então, planejo.

Porém se passam

As ocasiões, enfim, em veleidades

E o mais sublime permanece oculto,

Sempre selado.

Assim se embaçam,

Recamados de temores e vaidades,

Os minutos a negar o terno indulto,

De novo adiado.

E permaneço,

Ainda aguardando este meu julgamento,

Qual sentença prolatada ao sentimento,

Mas não te esqueço.

MEMBRANA DE OSMOSE V

Talvez quisesses,

Mais forte do que eu que te pedisse

Alguma forma de união ou compromisso,

Mas não pedi.

Quiçá não meces

Quão profundo é aquilo que não disse,

Quão faminto eu estou desse teu viço

Que não bebi.

Quem sabe até,

Exista em ti a mesma triste fome,

Revestida de incerteza e desvalia,

De imerecer

A antiga fé,

Gerada pelo fogo que consome

Inteiro o coração nessa mania

De se querer.

Não estás só:

A mesma fome e sede existe em mim

E desatar somente tu podes, assim,

O estranho nó.

MEMBRANA DE OSMOSE VI

Nascemos sós

E dizem que vivemos solidão

E que morremos ainda mais sozinhos,

Sem ter jamais

Sincera voz

Que nos entregue inteiro o coração:

Ninguém morre por nós, somos mesquinhos

Nos afinais.

Porém nem sempre

É o que acontece. Há momentos delirantes,

Em que as almas entoam a canção

Do amor total,

Quando se lembre

Que metades a metades triunfantes

Se dispõem a partilhar o coração,

Em brilho astral:

Sempre há defuntos

Que, num desastre ou queda de avião,

Cantam uníssonos a última emoção,

Morrendo juntos.

MEMBRANA DE OSMOSE VII

Não te queimes:

Te quero assim tão clara como a alma,

Quero a ternura que brota de tua fonte,

Eterna e pura.

Não me teimes:

Evita as bronzeaduras. Não há calma

Em deitar-se sob um sol que não mais conte

Velha candura.

Pois hoje o Sol

Deixou de ser o manso provedor,

Seus raios carcinomam sem piedade

Até a mente.

Desde o arrebol

Até o entardecer de meu ardor,

Também te calcinei, à saciedade,

Deliberadamente.

Para apagar de ti

O desejo de tua pele e teu odor,

Que ninguém prove idêntico esplendor

Que amei tão bem.

MEMBRANA DE OSMOSE VIII

Não dato

Os poemas que faço. Atemporais

São os sentidos e a ti pertencem,

Que agora lês.

De fato,

Se são de amor ou versos surreais,

São para ti, mulher, se te convencem,

Se agora vês.

Não são

Mais que a lembrança dos dedos fugidios

Que me tocam as membranas cerebrais,

Em beijo leve.

E então,

Minhas meninges se inflamam. São esguios

Os temas sussurrados e imortais

De quem se atreve

A transmitir

Os gritos e agonias do passado,

De tanto amor sedento e atribulado

Que viu fugir.

MEMBRANA DE OSMOSE IX

Equinocial

Este amor que pressinto a cada ano

Adiar-se mais um pouco, em precessão

Ou que então, se adianta.

Emocional

Sempre é a incerteza que existe neste plano,

Que se recusa a expressar tal emoção,

Somente canta.

Porque, no verso,

Não existe um verdadeiro compromisso,

Sempre o aedo possui mais liberdade,

Tragicômica.

Em fideicomisso,

Sem ser chamado a contas prestar disso,

Pode verter o que quiser, à saciedade

Supersônica.

Assim eu digo,

Refugiado por detrás de meu teclado,

O que não ouso dizer quando a teu lado,

Por medo antigo.

MEMBRANA DE OSMOSE X

Sempre busquei

Selar o vento e atrelar a chuva,

Os raios encilhar, frear trovão,

Mas nunca pude.

Acreditei

Tecer luar nos dedos de minha luva,

Cerzir de nuvens o meu coração,

Que tanto ilude.

No devaneio,

O mar é meu e sempre me obedece,

A poeira é ouro e o tempo é minha escada

Ao firmamento.

E quase creio

Que posso os deuses comandar por prece,

Mas só vejo de meus sonhos debandada,

Sem fundamento.

Se tais pendores

Sequer em mim consigo dominar,

De que jeito poderia conquistar

Os teus amores?

MEMBRANA DE OSMOSE XI

A prece é velha,

Como a poeira, dos passos levantada,

Pelos ossos em pó da multidão

Que me precede.

Baça centelha,

Como coágulos na areia pontilhada

Pelos neurônios esvaziados da emoção

Que nem se mede.

Mas sempre é nova,

Que as gerações se assentam em jazigos

E esquecem dos fantasmas que ressonam:

Mortos desejos.

E se renova

A cantilena vazia dos antigos,

A melopeia que os carrilhões entonam,

De mudos beijos.

Somente estalam

Os ataúdes carregados pelos filhos,

Incapazes de seguir por outros trilhos

E então, se calam.

MEMBRANA DE OSMOSE XII

Pois veio o verme,

Com uma coroa de rosas ao pescoço,

Tomou a guitarra e pôs-se a cantar rock,

No meu velório...

Estava inerme,

Ao ver subirem desse antigo poço,

Os fantasmas que me davam leve toque,

Em peditório.

Eram mulheres,

Há muito mortas nesse meu passado:

Talvez vivos os corpos, mas memórias

Morriam comigo.

Com seus talheres,

O verme retalhou-me lado a lado:

Serviu-se do banquete, quais histórias

De ogro antigo.

E eu só olhava,

Enquanto o corpo assim se decompunha

E esse corpo de que levo a mesma alcunha

Eu contemplava...

MEMBRANA DE OSMOSE XIII

Mas não que eu seja

Assim fixado em minha própria morte:

Eu sei que ela virá e não me abalo

E nem sequer

Que eu mesmo esteja

Preocupado com prematuro corte

Desses sonhos que no colo ainda embalo:

Velho mister.

Eu, simplesmente,

Continuo acalentando a zombaria

Desses valores que o mundo desejava

Que eu acatasse

E, calmamente,

Dou de mamar para os filhotes da ironia

E as setas só trocara de minha aljava

Depois que errasse.

Longe as estrelas,

Pois novas flechas lanço contra os montes:

De uma em uma criarei as pontes

De ilusões belas.

MEMBRANA DE OSMOSE XIV

Mas nas procelas,

Velho ou moço eu permaneço no timão;

Com a aorta amarrarei a direção,

Ao descansar.

Infladas velas,

Do vento a osmose a outros portos levará

E a membrana agrilhoada remará

Por sobre as ondas.

E as anacondas,

Ao invés de sufocarem meu pescoço,

Mentirão a meus ouvidos que sou moço

E insuflarão,

Em novas rondas,

Para tomar de tantos ventos energia

E fazer da tempestade estrela-guia,

Enquanto eu vivo.

Pois sei, enfim,

Por sobre as nuvens navegar contente,

Brilho de prata no olhar plangente,

Cantando assim.

MEMBRANA DE OSMOSE XV

No olhar de brim,

Eu mostrarei a todos o meu pasmo,

Na alegoria da luz feita em orgasmo,

Qual um jasmim.

Santo confim

Eu mostrarei de minhalma no santuário,

Cada tristeza instalada num sacrário,

Como um jardim.

Serei cometa.

A circundar tua mente com meu canto,

A retirar das faces o teu pranto,

Com meu ardor.

Serei esteta,

A enxergar o belo em teus defeitos,

A desculpar os piores de teus feitos,

Por meu amor.

E nessa chama,

Despertarei tuas mais recônditas memórias,

Tanto as mais belas como as mais inglórias,

Qual chuva em véu.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 19/02/2011
Código do texto: T2801447
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