CEPAS DE LUA 1-15

(Esta série de poemas deveria ficar no centro, mas desconfigurou ao colar nesta área de trabalho e não sei como arrumar.)

CEPAS DE LUA I

eu sou veículo

tão automático

como a causa incausada cria a Terra

como sem causa o homem cria a guerra

qual bactéria provoca a infecção

retalho fibra a fibra o coração

inquietação inquietação

quietação quietação

tração tração

num tal impulso

se me abre o pulso,

na tendinite dos versos marchetados

pela linfa das feridas consagrados

esses versos porejam como pus

minhas entranhas e nervos estão nus

doce alcaçuz doce alcaçuz

dos guabijus dos guabijus

na luz na luz

e não controlo

o estranho fluxo:

sou como estrela que em brilho se irradia

e se desfaz no fulgor de sua energia

mas caso não brilhar não sou estrela

e pode haver talvez morte mais bela?

e a sentinela e a sentinela

sob a janela sob a janela

gela gela

furado o peito,

o meu fantasma escorre

na multidão do vício solitário

na solidão do ordálio multifário

no dicionário sou ladrão de tumba

mas é a meninge de meu crânio que retumba

e a catacumba e a catacumba

profunda profunda

afunda afunda

CEPAS DE LUA II

você que me lê

falando sobre a morte

não conclua que isso seja obsessão

somente que das nuvens o trovão

nos ronca generoso e coriscante

no seu mapa de foice triunfante

da negra amante da negra amante

o delirante o delirante

infante infante

teimosamente,

se insere a ideia,

não é que eu queira criar um novo norte

nem triunfar sobre azar ou boa sorte

a morte vem e vai nessa sansara

que me completa e que me desampara

sem antepara sem antepara

compara compara

e para e para

eu me sinto obsedado

é pela vida

que mata os sonhos logo que acontecem

que trucida meus versos quando crescem

tenho um patíbulo sobre a escrivaninha

de originais e a pilha se avizinha

do meu telhado do meu telhado

meio estilhado meio estilhado

de mau olhado de mau olhado

e nesta obsessão

eu nunca posso

passar a limpo a vida em que empilhara

tantos planos e projetos nem trilhara

tantos caminhos quantos desejaria

do teto a pilha me canta uma elegia

em romaria em romaria

de sintonia de sintonia

fria fria

CEPAS DE LUA III

em palavras esfarinho

calcários sentimentos

depois de bem ralados tomo sal

ovos batidos manteiga natural

açúcar e canela e faço sonhos

porém não sei fazer saem medonhos

derrisonhos derrisonhos

risonhos risonhos

sonhos sonhos

se justifica até

sua abatumabilidade.

se fossem melhor feitos deixariam

de ser sonhos e concretos se fariam

até quem sabe partejando seus afanos

desenganos desenganos

haraganos haraganos

enganos enganos

se permanecem

porém apenas sonhos

que nem sequer procurem vir à luz

seu recheio polvilhado mais seduz

não se destinam afinal a ser vividos

são sonhos certamente sonhos cridos

sonhostidos sonhostidos

retidos retidos

tidos tidos

pois nunca no concreto

sonho ideal se realiza,

que não passa de um espectro desconforme

projeta lanças de cor e é dardiforme

mas abstrato é o sonho verdadeiro

quanto mais quando apenas passageiro

seringueiro seringueiro

parilheiro parilheiro

oleiro oleiro

CEPAS DE LUA IV

eu sou gaúcho

porque nasci aqui

até experimento simpatias gaúchescas

mas não pelas paixões mais barbarescas

nem churrasco nem canha ou carreteiro

nem mateadas nem tava ou rinhadeiro

busco primeiro busco primeiro

esse brejeiro esse brejeiro

cheiro cheiro

o alecrim me agrada

ou danças mais antigas

como essas que ensinam os cetegês

muito embora naturalmente tu não crês

que dançassem desse jeito nas fazendas

ou vilarejos os peões e antigas prendas

presas nas fendas presas nas fendas

com tantas rendas com tantas rendas

e escassas rendas e escassas rendas

mas os trajos são bonitos

são simpáticos

e ver dançar os pares é agradável

por mais que se perceba inaceitável

que usassem chiripás sobre as bombachas

enquanto mastigavam suas bolachas

esculachas esculachas

borrachas borrachas

rachas rachas

porém é engalanada

essa que mais me agrada

embora às vezes importada da argentina

ou do uruguay junto com a lã mais fina

e os poemas também na surpreendente

inspiração do sul independente

impertinente impertinente

pendente pendente

dente dente

CEPAS DE LUA V

a nova primavera

me esfria o peito

não é que na emoção ache defeito

só em realização sou contrafeito

meu feito é o marechal do rei das águas

gelado o peito me transpira mágoas

desmágoas desmágoas

em fráguas em fráguas

páduas páduas

eu vejo os outros

a tremer de frio

mas nada sinto que assim muito me custe

não há inverno nem frio que hoje me assuste

resisto muito bem sou do minuano

e lembro muito mais feroz arcano

algozarcano algozarcano

róseo cano róseo cano

meu dano meu dano

se tais palavras

te causam arrepio

é porque não amas ao frio nessa total

entrega ao vento e à geada na fatal

saraivada que matou antepassados

e não de balas mas granizos ampliados

implicados implicados

azarados azarados

fados fados

pois muitos mais

morreram de calor

do que de frio ao menos no meu pago

o poncho é fraca proteção mas trago

sem me entregar facilmente aos embates

dentro de mim o calor de meus combates

que açafates que açafates

em rebates em rebates

mates mates

CEPAS DE LUA VI

tabela atômica

tem mais segredos

nem me aproximo dos actinídeos

mais simpatizo com os lantanídeos

porque são raras as rimas que redijo

que o diverso eu torne multirrijo

semirrijo semirrijo

plurirrijo plurirrijo

redijo redijo

são monazíticas

as minhas areias

reserva pátria e tesouro nacional

no poema que redijo é racional

o formato por estranho que pareça

e a métrica não se impede que aconteça

desaconteça desaconteça

reaconteça reaconteça

e teça e teça

em caprichosa rima

existe o ritmo

por mais que te pareça diferente

é apenas variedade simplemente

das poéticas e práticas antigas

em que as palavras constituíam vigas

se não consigas se não consigas

ter quadrigas ter quadrigas

usa bigas usa bigas

apenas um capricho

até diria

querem que o darmstádtio seja ouro

que o rutherfórdio te cause mais desdouro

tão depressa se torna degradado

quanto o unumhéxio será abandonado

e o tecnécio e o tecnécio

será promécio será promécio

do aécio do aécio

CEPAS DE LUA VII

da vida às regras

em breve tornarei

mas por enquanto me afoguei neste formato

que é mais intelectual que caricato

não obstante é o formato da semana

em que posso zombar da forma humana

desumana desumana

inumana inumana

irmana irmana

pois me sinto

decomposto

qual se olhasse para um quadro de miró

em que cada elemento fica só

mas no conjunto é a grande sociedade

sem sentimento e abstrata à saciedade

salacidade salacidade

lassidade lassidade

da idade da idade

por isso digo

que retornarei

a essas regras da vida que determinei

descrever nos cem sonetos que farei

mais coda e comentário caloroso

afinal se meu texto é pretencioso

blandicioso blandicioso

indicioso indicioso

cioso cioso

isso é porque

sempre é escrito

com o mesmo pó de giz de meus pulmões

com o vazio de tantos corações

que me contemplam na incredulidade

de que eu seja o que sou na realidade

da impiedade da impiedade

sem piedade sem piedade

seu abade seu abade

CEPAS DE LUA VIII

falo de mim

só para ti

porque ninguém fala mesmo de outro modo

e é pretensioso afirmar com mais denodo

que se fala dos outros só se sabe

o que está dentro de nós e inteiro cabe

menoscabe menoscabe

nos cabe nos cabe

e acabe e acabe

tão só há percepção

da própria sensação

é o que se pode descrever total

é impressão nossa o mundo natural

colorido pelas cores interiores

devolvido para as trevas exteriores

controladores controladores

traidores traidores

amores amores

por mais que finja

ninguém conhece

o que os outros pensam ou que sentem

apenas dizem aquilo que pressentem

irá agradar ou então desagradar

não é o que se diz de fato amar

mas reclamar mas reclamar

e patamar e patamar

tomar tomar

porque não sei falar de ninguém mais

e nem tu sabes que a pretensão jamais

transpõe as pontes sobre tais barreiras

por mais que existam ânsias condoreiras

ou derradeiras ou derradeiras

seresteiras seresteiras

esteiras esteiras

e se redijo

mais uma estrofe

é que não quero esperdiçar papel

que para mim outra estrofe tem quartel

neste rascunho tolo em que rascunho

do testemunho do que eu mesmo testemunho

que estremunho que estremunho

e com punho e com punho

eu unho eu unho

CEPAS DE LUA IX

o que eu desejo

com maior folia

é tocar a estrela que tens no céu da boca

e prosseguir tocando em ânsia louca

até sentir tua língua em minha estrela

que igual cintila embora menos bela

numa organela numa organela

que me sela que me sela

e mela e mela

o que eu desejo

é por o meu boné

para cobrir as estrelas de teus olhos

e descobrir as estrelas dos refolhos

eu quero estar em ti e te cobrir

com meu boné e que possas me cingir

no perquirir no perquirir

ao referir ao referir

ferir ferir

o que eu desejo

sem qualquer pejo

é cintilar ao longo de teu ventre

nesse relâmpago com que teu eu adentre

que trovejemos juntos num orgasmo

de estrelas cintilantes no igual casmo

contra o espasmo contra o espasmo

de teu espasmo de teu espasmo

eu pasmo eu pasmo

o que eu desejo

é que as estrelas

minhas e tuas em só constelação

perdurem no vermelho coração

e no ventre vermelho se incendeiam

nessa fusão que estrelas ressemeiem

contrassemeiem contrassemeiem

se esteiem se esteiem

teiem teiem

CEPAS DE LUA X

quão messiânica

percebo esta certeza

de que fizeste o mundo e me criaste

de que sou fragmento que quebraste

desse teu sonho e me fizeste crer

que fora de ti eu tenha o próprio ser

espairecer espairecer

padecer padecer

poder poder

e quão profética

esta certeza

de que me voltarás para buscar

para de novo em tua carne penetrar

e ser um só contigo estarrecido,

no mesmo instante de ter haver possuído

entretecido entretecido

tecido tecido

sido sido

sonho de aedo

esta certeza

que nem existo longe de teus olhos

penso estar longe só e sou restolhos

dessa luz que irradiaste em pensamento

do qual não formo mais que fragmento

contentamento contentamento

integumento integumento

alento alento

e quão perpétua

a derradeira

mágoa de tudo ser apenas sonho,

que de ti fui no máximo um medonho

pesadelo auricular de frio suor

que gotejei de ti no teu calor

imperador imperador

exaltador exaltador

da cor da cor

CEPAS DE LUA XI

em tuas artimanhas

eu sempre me abandono

na flor-aranha que me martiriza

na hemerocálide dourada que desliza

na teia iridescente que me acolhe,

na malha carmesim da luz sedosa

pundonorosa pundonorosa

mas ardilosa mas ardilosa

rosa rosa

na sorrateira

tocaia que me assombra

essa ariranha que me devora o sono

nessa penumbra que me envolve o devaneio

não me contento com sonhos de permeio

a longas tranças de altiva rapunzel

trago de mel trago de mel

sutil burel sutil burel

favo de fel favo de fel

que mais prazer lhe dou do que me traz

que o tempo todo eu sou o mais capaz

de transportar afinal a dupla carga

nos laços mornos da lascívia amarga

descarga descarga

que alarga que alarga

a adarga a adarga

CEPAS DE LUA XII

toda rosa tem botão

mas não tem casa

são as sem-teto de cada jardim

mas têm raízes nesses seus canteiros

todas vestidas de folhas serrilhadas

melhor fechassem as roupas com espinhos

de rosmaninhos de rosmaninhos

alvos pelinhos alvos pelinhos

de arminhos de arminhos

enquanto os cravos

não possuem cravos

tem acúleos o espinho-de-carneiro

e toda urtiga ardimento mais certeiro

mas o mesmo não se diz do coração

inútil rosa presa no botão

sem comunhão sem comunhão

fechados são fechados são

frágil razão frágil razão

doce miragem

não tens espinho

mas rosa inútil és sem dar carinho

nos corimbos da hortênsia se descansa

amentilhos lilás dão sombra mansa

mas de que serve a decantada rosa

pundonorosa pundonorosa

garbosa garbosa

airosa airosa

quando o botão sequer solta perfume

e cada folha é cheia de azedume

ácido lume ácido lume

te esfume te esfume

o gume o gume

ferrenha fechas fina flor formosa

fácil ferida fácil melindrosa

que não se abre

pois não quer ser rosa

CEPAS DE LUA XIII

porém a lua

que não tem casa

vai à casa do sol fazer visita

por hospedagem aos planetas grita

pede as casas ao zodíaco um instante

mas dois quartos ainda tem não obstante

mesmo inconstante mesmo inconstante

prossegue avante prossegue avante

argênteo guante argênteo guante

e assim paga aluguel

a qualquer cometa cor de mel

que risca o espaço em sua luz de gel

ou de saturno se aloja em um anel

ou em júpiter procura seu quartel

talvez em vênus coberta de um burel

de nuvens brancas de nuvens brancas

da chuva as trancas da chuva as trancas

certezas mancas certezas mancas

e vai buscar

entre as galáxias

o véu de andrômeda para se cobrir

as escamas da serpente de perseu

pagando ao sol por acomodações

quando ele ocupa suas outras locações

fortes razões fortes razões

percepções percepções

tensões tensões

e assim componho prece à luz do luar

que já aparece com o sol ainda a brilhar

e vou roubar e vou roubar

o farfalhar o farfalhar

sem par sem par

dos meteoros que caem em minha rua

de joelhos, a minhalma toda nua

que assim flutua

querendo ser o mar

CEPAS DE LUA XIV

mas como a lua

não me escuta as rezas

eu vou fundir um machado de rocio

como forma usarei crânio vazio

e cortarei a árvore do sol

para usar a sua lenha em dia de frio

fio afio fio afio

pio alio pio alio

mio espio mio espio

adio

do vento a semeadura

para colher a tempestade pura

cultivo nuvens qual um algodão

para fazer o forro do edredão

será o luar a enxada de meu eito

com luz de estrelas meu roçado ajeito

peito a peito peito a peito

preito aceito preito aceito

leito estreito leito estreito

colocarei atravessado

nessa rua

chicotearei meus cavalos contra a lua

em represália do pouco que me deu

farei viagem mais longa que o judeu

errante através toda a terra nua

pua e grua pua e grua

jura crua jura crua

vida sua vida sua

e cortarei a lua em doze cepas

doze moedas de prata como aletas

metas secretas metas secretas

setas excretas setas excretas

poetas pretas poetas pretas

os doze meses logo comprarei

sessenta e cinco dias comerei

e outros trezentos

eu lançarei aos ventos

CEPAS DE LUA XV

reunindo as cepas

eu criarei donzela

de cabelos tão negros como a noite

e a pele clara como luz de estrela

sem as marcas da lua em sua procela,

sem a foice da lua em seu açoite

pernoite pernoite

acoite acoite

afoite afoite

far-lhe-ei a corte

do coito à sorte

e a tornarei por todo um ano minha

serva obediente e a mais feroz rainha

possui-la-ei com quanta fúria tinha

até a última gota que sustinha

na bainha na bainha

a rinha a rinha

vinha vinha

vou desgastar

ânsia carnal

nesse seu ventre não mais virginal

a lua é a amante gasta do jogral

mas ainda oferta seus seios generosos

e seus mistérios mais pundonorosos

sonhos formosos sonhos formosos

perenes pousos perenes pousos

gozos famosos gozos famosos

ajoelhada assim por entre as águas

acumulada por seus rios de mágoas

desce a prece desce a prece

se compadece se compadece

e a teia tece e a teia tece

e de novo os doze meses geraremos

até que a lua embriagada de venenos

se afogue na minha alma

em palma e calma

William Lagos
Enviado por William Lagos em 22/02/2011
Código do texto: T2807369
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