foto de manuscrito do poeta português Mário de Sá Carneiro de 1913




 


CADERNO LITERÁRIO I 



BREVE INTRODUÇÃO

Há tempos venho falando e pensando sobre este fenômeno da intertextualidade que espontaneamente e às vezes por convites, ocorre nas escrivaninhas aonde poetas confraternizam escrevendo suas trovas ou poemas sobre temas escolhidos. Acabo de publicar um artigo compilado de um caderno lietrário português sobre tal assunto, e pra minha alegria e surpresa, já houve frutos, que a nossa querida poeta Lázara me comunicou ter- se inspirado ao ler os quatro poemas portugueses  ali apresentados como ilustração, e escreveu na hora um poema que já publicou agora no dia 10 do corrente. E coincidentemente eu tinha lido seu poema "Chuva" e me inspirado para escrever o  meu.  Penso que estas experiências são notáveis e muito significativas, e assim deixo este depoimento iniciando esta série que chamei de Cadernos Literários, uma simples forma de tentar formalizar certos encontros espontâneos e dar ênfase ao que de muito positivo ocorre neste nosso Recanto
 


     LILIAN REINHARDT, é nossa poeta que há cinco anos aqui promove a melhor literatura e cuja presença neste site é um legado, um presente, uma deferência especial a todos que amam  a literatura. 
     Já dizia eu, lá em 2008:
 "Você, poeta, dá longas braçadas, e nós seguimos nesta    
  esteira..."

AQUI ESTÁ O SEU DEPOIMENTO QUE ENRIQUECE O NOSSO TEMA EM QUESTÃO

"Esse texto sobre Teoria da Literatura é fascinante. Poderíamos fazer anologia com a Teoria da Arte e lembrar que Picasso dizia que o quadro segue a mobilidade do pensamento e que mesmo depois de terminado ele se recria conforme a observação daquele que o contempla. E que um quadro só vive em razão daquele que o contempla. Assim, o texto em suas várias modalidades formais se recria ao olhar e ao cada interação de cada observador, em multifacetadas interpretações, em redimensões infindas...

                                         ..*****..


POEMAS E POETAS 
SOB AS ÁGUAS DA 

         C 
             H
                   U
                 
                   V   
                        A

                                         *
                                   *
                         *     *      
                                      *





LILIAN REINHARDT

Lilian é início e fim, é paradeiro.  É mistério de pirâmides, menina atrás de um portão de madeira, araucárias da sua paisagem apontando para os céus. Lilian é porta aberta ao viajante sedento em busca de amparo que nos seus poemas verte versos como preces, como salmos, como rios sem fim para nossos barcos meio naufragados. Lilian é a mais bela porta por onde adentrar a um universo de cores , formas e sensações e  onde muitas vezes adormeci minhas angústias. Oásis, porto, mão que afaga e doa...
.



DEIXA QUE A CHUVA 
     LAVE O MEU ROSTO   

        (Líricas de um Evangelho Insano)



    Eu preciso de ti
     eu preciso me banhar
     naquela poça    d\'água pura
     que espelha o céu da minha argila
     e o pássaro de minha alma nela se banha
                                                     
     Deixa que a chuva transborde
     das conchas do entardecer
     que preencha todos os beirais
     que anseiam pela cálida luz da manhã
     quando as rendas da aurora se abrem
     e o cheiro de café envolve em volúpia
     o sabor da mesa de alva toalha e os  
     verbos recém-colhidos
     Permita ainda
     que  a chuva lhe conte histórias
     dos lugares por onde passou
     dos pés de quem lavou
     dos rastros que escondeu
     dos pecados que perdoou


´                         ... *** ....



LÁZARA PAPANDREA (LAYARA)

A poeta Lázara é como pássaro de suaves plumas que se movimenta pelos céus da Poesia com desenvoltura e serenidade. Seus poemas parecem esquadrinhar a nossa alma sem deixar um só cantinho em que não lance alguma luz...

C H U V A S


ecoam os trovões
não há céu seco
a chuva molha
o céu
a vida
o beco
as rosas

nem as rosas escapam!
[e elas morrem de medo
do vácuo de céu nas
pétalas partidas...]

a chuva molha
os pássaros de mil vidas
que recolhi do teu silêncio
e aqueles outros que escaparam
para o imenso que não me coube

a chuva ouve
os retratos falados
de outro tempo
e ensina ao vento
uma saudosa dança

Mas... a chuva não sabe ver
aquela que vem mansa
é a que mais me faz doer!


         .. ** ..



IRATIENSE JOEL GOMES TEIXEIRA

O poeta Iratiense Joel Gomes Teixeira é um contador de histórias de gente do seu amado sul, interior do Paraná, um pintor de telas de rara beleza, parece até dar pra ver os pincéis se movendo e dando as pinceladas certeiras, surpreendendo e encantando. Ele prontamente atendeu ao meu convite e me mandou este precioso poema .


CHUVA DE OUTONO



Havia queixumes de outono
no abraço cinzento de céu.
Um pranto quieto de chuva benzia telhados,
encharcando gerânios em flor.
Nos pés as velhas galochas,
coração varado de amor.
Ela então ,qual gerânio de abril,
entregou-se à tarde lavada.
Um à um, na argila do tempo,
um feixe de sonhos moldou.
Tinha pressa...
E aí numa prece implorou para o sol demorar.
Não queria o encanto quebrado,
de arabescos no chão desenhados.
Dos pés deslizando na massa ,
buscando arco Iris em cores,
portais de novos amores.
Que sabia um dia viriam , serenos,
qual sono de uma criança.
Ou brutos feito carroções,
sulcando a lama da estrada,
patinando em chão de cascalhos.
Teriam ruído estridente,
de metais tilintando em arreios.
Um carroceiro de olhar arrogante
estalando chicote no ar.
Assim ,presa na fantasia,
nem percebe a carroça passar.
E a môça dos sonhos de barro
embassa na chuva a esperança
até o comboio voltar...
um fio d´agua limpinha,
brotando à beira da estrada
Segue dolente e sozinho
um caminho que leva pro nada.



                          .. *** ..


CALLIOPE, a nossa poeta bailarina, moça que navega mares revoltos,  desnuda a alma espalhando véus de finas teias como uma deusa lá no alto do mais alto dos montes. E ali, tênue e trêmula, diante de um Abismo que não lhe faz medo mas a deixa sempre e sempre fascinada, dá seu testemunho de palavra certeira.  A sua mão é célere em escrever os poemas mais belos e intrigantes





CHUVA INTERNA


Quando chega traz um alívio
Por derramar-se
Por desafogar-me

E neste derrame lava
Leva

Mas passados os dias...
Vai embolorando
E vem um cheiro esverdeado
Um cheiro de passado

Então me protejo
Curvo meu peito
Uma tristeza infinda...

E se persiste...
Caminha inda mais pra dentro
Lentamente percorrendo
Quieta
Nas veias

E molha
E mata
Por excesso de água
Porque é água demais...


(((Calliope)))
 

                      ... *** ....

 
TANIA ORSI VARGAS

                                             

A minha chuva, nascida em torrencial e imediata inspiração ao ler a chuva de Lázara...




                  INSTANTÂNEO

                           


       

A chuva interrompe nossas andanças de seres soltos

e joga sobre nós recados de águas novas e velhas

recados do Tempo nos temporais repentinos....

Tomados de surpresa, ela nos faz prisioneiros

um tanto atordoados

molha os nossos pés num susto que logo

se transforma em rendição ao inevitável.

E assim, entregues à sensação de que

o mundo nos abraça com água fria

o melhor a fazer é tirar os sapatos

deixar que o corpo festeje este momento

abrir as asas ao firmamento

como uma entrega de amor...