Temporal

Fenece o corpo ao cair a areia da ampulheta,

lei implacável que a ninguém perdoa.

Desesperado pensamento a transcendência inventa,

ser mais do que se é: uma ilusão à toa.

Num intervalo de tempo que o tempo desconhece

vive-se medo, dor, ilusão, alegria, amor, paixão...

Obscuro devaneio a eternidade estabelece

acomoda-se a ira, a injustiça e a compaixão.

Impérios se erguem, sangue se esvai, hinos se compõem...

outorga-se a tirania, a escravidão e o pecado sem perceber.

Da parede especta o relógio a inquietude das gerações.

E o tempo mansamente passa sem perguntar nenhum por quê.

Embranquece o pelego de todas as idéias que se contrapõem

inclusive do autor do soneto e do leitor que o lê.