MARCAS NO ASFALTO

passada,

as manhãs

em tons de bom-dias bem ralo

com gosto de bolo da carimã ou tapioca,

envelhecia acordares

malpassados,

os ovos mexidos no tempo errado

ressecou o suco de frutas fresco

mal-adoçado para tomar e sair

pelo portão rangido

deixando uma meia-lua no cimento.

Saída do banho,

sem toalha,

para que me visse molhada

e me levasse suada para seu dia inteiro,

gastei minha nudez

apressada,

perdi todos os bom-dias,

os beijos, os desejos

de boa-sorte

para ir, vir e ficar!

passada,

as tardes

os tons de juventude não mais pintarão

os cabelos compridos nem o jeans surrado,

secaram as espinhas

incomodas,

e ainda coleciono autógrafos dos ídolos

para comparar-me, real e ridícula,

aos olhos dos que vêem

como os espelhos

sem unhas no rosto nem mais seios verdes.

Vesti poucas roupas

sem bolso,

para não dar troco ao armário

cheio de diários, segredos e fantasias,

segui seu rastro

distanciando-me!

ganhei um poema de saudade

em teu caderno dez matérias,

descrevo, com prazer, memórias,

vividas, vívidas, permanentes.

Nua,

permaneço,

frente-a-frente, em pelo

diante da cicatriz

rachada do espelho.

Crio um verbo:

— “Eu caderno!”

Teu passo, longo,

me fez desistir da pressa.

quieta,

na noite acanhada

me apresso para comprar tuas torradas,

esqueço a conversa das comadres

até que o último passageiro cair do ônibus.

E vens,

sabendo

que todo o sentido, provável, dessa espera,

é para que me dê sono,

por mais que fira a madrugada

que esconde os carnês e as prestações,

para acordares feliz e despreocupado.

passada,

a manhã,

depois da vitória do time,

seu bom-dia não é ralo,

ela está cantando no chuveiro.

o bolo, da tapioca ou carimã,

continua o mesmo,

come com gosto os ovos mexidos, os da conta certa,

e bebe o suco de frutas frescas sorrindo, apesar de mal-adoçado.

do banho,

ouvi o portão ranger,

saí completamente nua

esperando ver a meia-lua no cimento.

Espanto!

Meu homem me esperava

para selar o primeiro beijo do dia

e, com um olhar de saudade

deixou suas marcas no asfalto da porta de casa.