SAGRAÇÃO DO INVERNO
SAGRAÇÃO DO INVERNO
Em minhas horas azuis,
tão belo espetáculo aprecio!
Primaveras floridas, árvores no cio, arbustos silvestres dormentes...
Geografia fria, valsa da flora em coreografia selvagem.
Na minha casa,
várias vezes ao dia, passagens...
Eu, andarilho,
atravesso o jardim.
Busco o brilho das flores douradas
em jornadas hibernais.
Leio as mensagens das minhas árvores escritas nas folhas caducas
que jazem no chão:
são tristes epitáfios,
funéreas despedidas.
Mutação do tempo,
metamorfoses na estação,
novo ponto de partida.
Chegada da garoa mansa...
e eis-me cambiante chapinhando na lama furta-cor,
densa sopa de folhas amareladas, avermelhadas, secas;
saborosa sopa salpicada de tempero multicor:
uma pitada de branco,
outra de lilás,
laranja,
não esquecer o rosa!
Um lindo tapete salpicado de flores mortas,
outrora aéreas,
arrancadas pelo sopro do vento sul,
gelado.
Amo as formas do bálsamo:
alivia as dores de amores, amansa os lívidos céus.
Trepadeiras, flores silvestres, samambaias, salgueiro, caquizeiro, cerejeiras, cajueiros, coqueiros...
Ah, um recanto que faz jus ao encanto
das verduras de gradações amarelas da natureza invernal!
Eis a minha árvore antiga,
imponente,
meu ipê rosa;
dele despencam exuberantes cachos de flores pendentes;
ei-lo enamorado, amante, enrolado pelas ramagens das primaveras
de coloração branca e vermelha;
o quadro público espelha escândalo entre as calçadas pudicas, nas ruas e nas línguas tagarelas dos passantes.
Cio da natureza,
abraço amoroso das árvores nuas,
encantador ninho de pássaros.
Copa ofertada aos deuses.
Tributo à ninfa Clóris.
Grinalda da noiva hibernal.
Sagração do Inverno.
SÍLVIO MEDEIROS
Campinas, gelada madrugada do inverno de 2011.