Ia fazendo

Nunca soube fazer nada, apenas ia fazendo...

Nunca usou desodorante, e nem por isso vivia se desesperando...

Chegou um tempo em que nem fedia mais..., apenas ia andando e transpirando a transpiração de um humano sem planos...

Bebendo cervejas baratas, comendo cenouras e frangos de granja..., com isso, com aquilo, insistindo, persistindo, ia mastigando...

Nick Cave, Tom Waits e Leonard Cohen ia ouvindo, achando tudo aquilo um encanto insano...

Fumando cigarros, se embriagando e cantando algo irreconhecível, inaudível, risível, porém quieto ia, sozinho em seu canto...

Um dia, no entanto, tentou jogar a vida no lixo, mas errou a pontaria, como sempre, e, por falta de alternativas, continuou andando..., andando...

Era madrugada, a polícia há muito o vigiava, seu lar, seu desengano, mas quem disse que com ela estava se importando?!

Aos prantos, com frio ou se fritando, se aquietava de vez enquanto..., ingerindo um lenitivo e se escondendo por debaixo dos panos...

Um poeta torto, toda manhã, o perscrutava da estante de madeira velha, caindo aos pedaços, mas sentia medo de lê-lo e cair em desencanto..., como o fazia, insistindo, todos os dias, tolo que era, em seu ledo engano...

Há muito perdeste tudo, chapéus, cabelos, mulheres, dinheiros, mas na vida insistia, às vezes até sorria, para que as dores fossem se sanando...

Por vezes, cansado, se sentava, mas logo era arrastado pela enxurrada, que o ia levando...

Ia levando...

Levando...

Levando...

Tudo num sonho insano...

Levantando cedo da cama, olhando o céu, comendo centeio e em meio a tudo, continuava caminhando...

Transitando entre multidões de lobos famintos, como que cantando um canto hipnótico para acentuar a dor dos fortes, enaltecia os mansos..., enquanto os fracos se aquietavam em seus cantos..., sob seu manto santo...

Ia Cantando...

Levando a vida aos prantos...

Clamando para que o deus dos dias vindouros perdoasse as mazelas perpetradas por maldosos humanos...

Ia levando...

Ia cantando...

Um canto qualquer, em seu canto escuro, amando o mundo imundo, tentando a qualquer custo limpá-lo, esfregá-lo com pano sujo...

Prosseguindo, ia a todos chamando, clamando, feito o flautista louco, para que o mando dos maus não vos fosse ludibriando...

E com isso, diante isso, ia caminhando, cantando, chorando, amando, enchendo a cara, fumando, trabalhando e vivendo, como qualquer ser humano...

Homenagem a Lou James Jr., cantor, compositor, humano, ator e poeta louco...

Savok Onaitsirk, 16.03.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 12/07/2011
Código do texto: T3090575
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