Bird

Ela veste calças 100% algodão,

volta e meia,

compra um isqueiro,

no cruzamento da rua Bonfim com a Riachuelo,

e um dia ela me confessou,

que não vive há muito tempo,

e que não irá durar muito,

e que não confia nas curvas fechadas das linhas das mãos,

e que seu cabelo poderia ser azul, que seria sem emoção.

Mesmo sem estar distraída, lê sem atenção,

e trafega na contramão das avenidas de perder de vista,

e sempre esquece de colocar calda no seu sorvete de baunilha

que compra na mercearia da esquina do seu bairro,

e, às vezes,

vê-se encurralada por vários olhares,

e nunca gostou de pássaros,

quando criança só andava com um estilingue,

e colocaram o seu apelido de Bird.

Ela anda contando passos,

e disse que queria ser Sagitário,

mas não liga muito para isto,

preocupa-se mesmo é com a feiura do seu umbigo,

e em seu guarda-roupa só se vê blusas compridas.

Ela reclama da fase ruim que está passando,

há 7 dias não namora um bom partido,

mesmo sendo bonita;

sempre anda de mal com a vida,

e até hoje vive “retada”, pois um dos ex-namorados,

deixou uma cicatriz no seu rosto, de navalha.

Aos sábados pela manhã,

ela trabalha numa barraca na feira do Piatã;

todos os dias da semana à tarde,

luta capoeira com uma argola de camelô na orelha,

e diz pra todo mundo que seu sonho é ser bailarina;

e às vezes, lembro, que triste ela me disse,

que um dia queria ser feliz,

e encontrar o homem certo,

para colocar sua cabeça no lugar,

e os seus pés no chão,

e ela sempre vive a indagar,

se o seu destino é o encontrar,

ao pegar uma carona num caminhão.

21.07.1999