ALQUIMIA MATERNAL

ALQUIMIA MATERNAL

Carmo Vasconcelos

Meu filho!

Quando, firmado no teu orgulho,

me dizes “Deixa-me só!”

e me fechas a porta dos segredos…

Não sabes

que do teu íntimo me chamas

e eu fico vigiando,

atenta ao teu velado pedido de socorro.

E quando, revoltado,

olhos faiscantes, gestos desmedidos,

lanças ao ar impropérios

e eu faço que não ouço e te desculpo…

Não sabes

que aprendi há muito

a traduzir os teus desmandos

pelo livro de ouro que só as mães conhecem,

e ele me ensinou que estás sofrendo.

Quando pareces odiar-me

por eu não ter a chave mágica que abre todas as portas

e me dizes “Mete-te na tua vida!”…

Não sabes

que a tua vida é um rebento da minha própria vida,

que ambas se alimentam da mesma seiva,

e que se um ramo sofre,

toda a árvore sangra.

Quando sentes à flor da pele

as tuas ambições frustradas

por não abarcares nos teus verdes anos

tudo o que o velho mundo foi juntando aos poucos…

Também não sabes

que as tuas frustrações me doem

como um sonho próprio desmoronado…

E até a chaga

do amor que julgas ter-te abandonado,

lateja na minha carne como um espinho

cravado por um amante perdido.

E quando te assediam teus desgostos,

que julgas os maiores sobre os mortais,

e que não são, afinal, mais do que meros obstáculos

na tua corrida precoce em busca do sucesso imediato…

Também não sabes

que as tuas mágoas doem em mim

como renovadas dores de parto,

que anseiam fazer-te renascer,

homem-novo

para a beleza das coisas simples.

Meu filho!

Quando sofres,

o mundo desaba ao meu redor…

Quando desejas morrer,

eu começo a morrer antes de ti…

E quando a tua solidez se desfaz em lágrimas,

elas caem sobre mim como um dilúvio.

Mas…

Numa alquimia maternal,

tirada do tal livro de ouro que só as mães conhecem,

o dilúvio transforma-se em riachos de sorrisos

que encaminho para ti,

pondo em suas águas a mensagem

de que as tuas dores,

feitas tempestade,

são apenas gotas de chuva

numa Primavera que mal acaba de chegar!

***

Lisboa/Portugal/2003

***

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Carmo Vasconcelos
Enviado por Carmo Vasconcelos em 02/08/2011
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