o resgate dos cactos
Mãe, se eu não acordar amanhã
Deixa que eu durma
Que eu perca o orvalho
e o trabalho
É primavera
E há um sabiá rondando a minha janela
Deve ser pelas flores da violeta
Ele não se importa comigo
Ninguém se importa comigo
Não sou deveras importante para ninguém
Menos mal
Haverão outros amanhãs!
Deixa que eu durma, o sono justo dos ainda livres
Há uma tristeza miúda alojada em meu peito
Há uma lágrima derradeira entre os meus olhos
Mas eu não estou perdida
Não tenho tempo para me perder!
Sou uma ave solitária
Que eu não me esqueça disto
Para o meu bem!
E sempre haverão outros penhascos
Onde eu possa pousar para descansar-me
Por onde eu possa alçar o próximo voo!
Ainda há gotan e elomar e lucia e um baleiro e dois camelos
Um pato e uma nina e uma etta na minha cabeceira
Maisa ainda fala sozinha nos corredores
enquanto lhe preparo um café
É preciso entender a loucura do outro, compreenderemos as nossas
Nada é em vão!
Retorno,
Vou ao mercado resgatar mais um cacto
Salvá-lo da mão dos estúpidos
Decidiram enfeitá-los com flores de sempre vivas
coloridas artificialmente
Nenhum deles tem a mínima noção da natureza destes seres
Nem eu
Preciso aprender a cuidar deles como às pessoas que amo!
Logo eu que não gosto de plantas presas em vasos
Vou encher o vão da janela do quarto de pensão
Tão pequeno quanto me sinto agora
Tão grande que cabe todo meu mundo!
Ando mais sobre a cama que todo o resto
De lá alcanço tudo, até o meu banheiro
e o quadro cheio de olhares e sorrisos esbranquiçados
pendurado na parede branca!
Exercito os meus pés sobre o colchão macio
Sei assim como se sentem os felinos, afiando as unhas
e ajeitando a coluna vertebral!