o resgate dos cactos

Mãe, se eu não acordar amanhã

Deixa que eu durma

Que eu perca o orvalho

e o trabalho

É primavera

E há um sabiá rondando a minha janela

Deve ser pelas flores da violeta

Ele não se importa comigo

Ninguém se importa comigo

Não sou deveras importante para ninguém

Menos mal

Haverão outros amanhãs!

Deixa que eu durma, o sono justo dos ainda livres

Há uma tristeza miúda alojada em meu peito

Há uma lágrima derradeira entre os meus olhos

Mas eu não estou perdida

Não tenho tempo para me perder!

Sou uma ave solitária

Que eu não me esqueça disto

Para o meu bem!

E sempre haverão outros penhascos

Onde eu possa pousar para descansar-me

Por onde eu possa alçar o próximo voo!

Ainda há gotan e elomar e lucia e um baleiro e dois camelos

Um pato e uma nina e uma etta na minha cabeceira

Maisa ainda fala sozinha nos corredores

enquanto lhe preparo um café

É preciso entender a loucura do outro, compreenderemos as nossas

Nada é em vão!

Retorno,

Vou ao mercado resgatar mais um cacto

Salvá-lo da mão dos estúpidos

Decidiram enfeitá-los com flores de sempre vivas

coloridas artificialmente

Nenhum deles tem a mínima noção da natureza destes seres

Nem eu

Preciso aprender a cuidar deles como às pessoas que amo!

Logo eu que não gosto de plantas presas em vasos

Vou encher o vão da janela do quarto de pensão

Tão pequeno quanto me sinto agora

Tão grande que cabe todo meu mundo!

Ando mais sobre a cama que todo o resto

De lá alcanço tudo, até o meu banheiro

e o quadro cheio de olhares e sorrisos esbranquiçados

pendurado na parede branca!

Exercito os meus pés sobre o colchão macio

Sei assim como se sentem os felinos, afiando as unhas

e ajeitando a coluna vertebral!

Suzane Rabelo
Enviado por Suzane Rabelo em 04/10/2011
Reeditado em 20/01/2012
Código do texto: T3257941