ousadias
Como ousas infiel me mandar ser feliz
se ainda possuis um pedaço do meu coração
Como ousas querer ser feliz se tenho ainda guardado
um pedaço do teu, não vês a impossibilidade?
A minha soberbia deixou-me a ver navios
O meu coração está sem portas e sem janelas
Ele vinga despudoradamente da minha razão confesso, estúpida razão
Do tempo em que ela dava as cartas e lho roubava
O meu ser casa construída em encosta deslisa
As tempestades uma a uma vão levando os cômodos
O mundo ficando cada vez menor não entendo
Algo saiu errado deveria ser o contrário!
Não fui avisada da possibilidade de cada avalanche
Como controlar o fluxo, como refazer as paredes
Se não há chão que apoie os andaimes
Se não há sol!
Procuro ânimo fora de mim, o mundo
E eu não o vejo sorrir, não há solidariedades
Ele ri unicamente por piadas estúpidas e constrangedoras
Sou a piada mais engraçada contada nos últimos tempos!
É tempo de caridades e há uma grande fila de espera
Nesta não entro nem morta, deixem-me aos urubus
Se é que eles se interessarão por esta alma pobre
Se é que também não me olharão com tanto desdém!
Palavras teimam em sair por esta minha boca, em murmúrios
Não consigo calá-las em meu peito, jorram incontinentes
Este ar fétido impregna minhas narinas
Nem as plantas nas janelas sobrevivem!
Deve ser mesmo o início de um fim de um mundo
Tudo está tão estranho, vivo na contramão
Sempre me atraso isto quando consigo chegar, ao trabalho
ao dentista, em casa; festas e enterros nunca vou...
Enterraria os meus de bom grado, com cuidado, se pudesse
Se não houvesse a obrigação dos rituais tão ensaiados e frios
Até para chorar nestas horas me demoro
Sempre atrasada, e o mundo odeia atrasos
E com razão, muita razão, sempre a razão, há razão
É preciso mesmo correr para chegar primeiro, às filas ou a lugar nenhum!
Enquanto isto a minha vista corre pelos becos escuros
Embora desconfie de toda sanidade inclusive da minha!
Na hora do almoço, dos outros, tomo meu café da manhã
Na hora do jantar, dos outros, eu almoço
Na hora de dormir, dos outros, saio, vou respirar
E na hora de acordar, dos outros, adormeço
E sempre tenho à mão uma desculpa esfarrapada!
O meu domingo, entre os outros, é na segunda feira
A sós, todos os dias da semana são fantásticos domingos
Independente de quanta força precise
até para moer minha própria carne!