A MORTE DAS PEROBAS
A cada crepúsculo, a reflexão revela
que a paisagem já não é mais a mesma.
Novas casas se erguem
a um ritmo crescente.
O progresso marca o tempo,
imprimindo registros indeléveis
que expatriam a lembrança
na mais privilegiada das memórias.
No horizonte, outrora
perfilavam frondosas perobas
que embelezavam as tardes chuvosas,
desenhando junto às montanhas,
uma aura de magia
que nos remetia
a uma sensação de pureza
percebida somente pelas lentes da inocência
que um dia a infância nos permitiu.
Pelas tardes e nas janelas, sanhaços, pardais,
coleiros e bem-te-vis faziam festas
numa segurança invulgar
de que a única ameaça possível ao seu canto
estaria na perda da platéia
recolhida ao adormecer do Sol.
As noites eram homenageadas pela serenidade
do vento que beijava nossas faces
em majestosa harmonia com a vida.
O silêncio era venerável e venerado.
Era o porta-voz da mansidão
que nos alimentava da seiva sagrada
e que nutria a vocação humana
da nossa condição.
Os sonhos eram mais nobres.
Acordar pela madrugada,
somente para contemplar a beleza da chuva
que nos visitava numa alegria rara
e tão freqüente como ausente a percebemos hoje.
Pelas manhãs, o moleque vendendo o pão
anunciava a fartura em seu cesto.
Compunha ele, com o leiteiro,
um dueto formidável
que alegrava nosso alvorecer.
A lida
seguia
um roteiro
de simplicidade e nobreza.
A vida era celebrada com mais fervor.
Hoje o futuro - um dia tão festejado -
Mostra-se triste e despido
de seu manto encantado
quando, numa das raras visitas
Áquela mesma janela,
permitiu-me enxergar
que as perobas não mais povoam
os horizontes de nossas contemplações.
A ambição humana ceifou seu encanto,
destruindo a magia que nos permitia
adentrar pelo portal da nossa sensibilidade,
para visitar-nos a nós mesmos,
em ritual supremo de reconhecimento
da nossa espiritualidade.
Um loteamento hoje se ergue
nas terras legítimas das perobas
que enfeitavam nossas tardes.
No delírio de um átimo,
ceifaram-se as perobas
- símbolos de um elo
que nos ligava às origens
de nossa Formação.
Sem as perobas,
sentimo-nos meio órfãos,
perdidos na aridez de um futuro
que fotografado pelas lentes do presente,
mostra-se cinza ao invés do
colorido que nossas esperanças
um dia desenhou.