UM VINHO VESTINDO MANOEL
Na companhia do velho Manoel de Barros
Ouvimos um vinho que discursava
Impoluto da sacada para o infinito.
Os gritos etílicos ensurdeciam
O antigo jeito sem jeito de viver.
Meu velho Manoel,
O que seria do tudo
sem a inquietude do nada?
Eis que derrepente uma formiga
Se solta do peitoril da janela
Rumo ao infinito do chão.
O chão soprou seu corpo de volta
Que se chocou com
Um pedregulho de pensamento.
Do choque nasceu mais um gole.
Do gole nasceram mais discursos,
Mais verdades,
Como estrelas novas
Num céu de passado
Tão envelhecido como o vinho
Que nos acompanha,
Arrombando as paredes
Envenenadas pelas mãos
Que há muito não
Se unem
Em exercício da espiritualidade.
Muito bem, Manoel…
Vamos beber o vazio
Que restou na taça
De nossas presunções.
A tarde homenageia os filhos do nada
Ventando gotas de poesia que
Acariciam nossas almas.
Ave doce solidão de pensamentos.
Rito sagrado em honra dos esquecidos,
Dos inascidos, incompletos e desmerecidos,
Afinal, também deles é o reino da terra.