monólogo da esperança

O poeta acorda de sono profundo pensado ressuscitado

Chora entre o alívio e desespero amanhecido

Abre braços estica-os e às pernas, boceja por pura indolência

Anda nu pelo território o leito, o ninho, um blues

Abre janelas com as cortinas fechadas sorri, um sonho!

De volta, outro sonho, alheio, balbucia entredentes:

- Amor, por que me salvaste se me condenas assim à tristeza

Ah! Este meu coração sem travas ainda dorme e acorda contigo

Não aceita cortejos, sobrevive, enlouquece à parte, o silêncio grita

A coragem é a fome apertando doendo o estômago sedento!

Abre fotos dos que partiram numa mesma lufada, existiram...

- Tu, tu não passas de um fantasma a assombrar-me os dias e noites

Uma lembrança, uma esperança, e insana tranquei-me aí dentro

Agarrando-me à tua vertebral feito um verme

Nem vítima nem carrasco, vergo-me!

- Por que não sorvi em pequenos goles a tua seiva, ó arbusto

Tais sedativos em sobredose matam, sei dos riscos da automedicação

Mas não há mais volta, excedidos os trezentos e sessenta graus

E ainda vestes as mesmas armaduras dos ancestrais

Tão medievais, embora muito as abomine!

- Não vês, mesmo sendo outro ainda és tu, e inteiro farias mais

do que por ora fazes dividido - brinco enquanto esfacelo-me

Descobristes o elixir da imortalidade?

Eu sim e o renego, não posso negar-me amar

Nenhuma gota cai em vão sobre o solo!

- Não se liberta um ser cativo deixando-o à própria sorte

Ainda que este se prendesse por vontade própria

Meu deus, não se é o que se é por mero acaso, eis uma verdade

Deveríamos bem saber como libertar um animal sem maltratá-lo

Ou será deste bicho a responsabilidade das feridas ao debater-se?

- A história condenou negros, índios e fêmeas da nossa espécie

Por consequência condenou-nos a todos! Me condenei ao sentir-te

Até podes fugir do mundo, guardar-te entre coqueirais e o mar

Não escaparás de ti mesmo, e mesma sorte me aguarda

Não se foge de um destino quando destinado estiver em abraçá-lo!

- O vento este mensageiro entrega-me teu cheiro

Tanto frescor!

Assusta-me enquanto enche os redores de uma alegria estranha

Dominados os meus sentidos, mal consigo abrir os olhos

Abertos, brilham assustadoramente, me reconheço enfim!

- Por que homens só brincam de guerra

Não sabem ser proibido pelos deuses embates entre as duas partes

Não compreendem ainda a morbidez da alma humana, tão humana

Não entendem que como a terra estes corpos renovam vossas vidas

E se os condenam à servidão condenam a vós mesmos!

- Se os condenam à escuridão, fechais janelas em vossas almas

Tempestade criada em conta-gotas

Assombrosa realidade dos livres

Dos homens que não perderam teus espíritos

Inda há um código de honra a ser cumprido!

- Ai dos que se aventuram em quebrá-lo

Nenhum lado se salva, tampouco haverá um lado um avesso

Tudo estará avesso, mente alguma controla tamanho estrago

Há que haver paciência e respeito mesmo não vencendo o medo

Domá-lo como a uma criança ou será ele o Deus!

- E ainda tendo conseguido fazer deste o aliado, carecerá cuidado

A culpa pelos impropérios lançados tal estaca

Vossos próprios martelos amaldiçoados e sem perdão

Cortem antes vossas línguas, joguem-nas aos cães famintos

Farão melhor uso!

- Esperança, esperança, esperança...

Ó futuro, Deus de toda sanidade, toda insanidade!

Suzane Rabelo
Enviado por Suzane Rabelo em 24/10/2011
Reeditado em 20/01/2012
Código do texto: T3294696