Brasiliense, ipês e bentivis

Estirado nas pedras

Um calango pastoreia borboletas ao sol

Um sabiá empoleirado

Anuncia chuvas numa goiabeira

Cigarras festejam, mangueiras amarelam!

O cerrado é um milagre que o brasiliense

Não vê. Não escuta. Não cheira.

O brasiliense está ocupado com coisas úteis.

O brasiliense lê o Correio

O brasiliense se liga na tevê

O brasiliense assina, carimba

Bebe coca-cola, arrota e peida no sofá

O brasiliense ficou sabendo (pela tevê)

Que em Ceilândia o hospital não presta

A escola não presta, a vida não presta.

Ficou sabendo o brasiliense (pela tevê)

Que a novela das sete vai começar às oito

E que a novela das oito vai começar às dez.

O brasiliense sonha com 6 mil na poupança.

8, 10, 20 mil, o brasiliense quer ser funcionário público

Passar umas férias nas Oropa, levar os filhos à Disney

Comprar dois imóveis e cascar fora, pra longe, bem longe.

O brasiliense diz pra filha: - filha, vai estudar pro concurso!

A filha diz pro amigo: - não tenho tempo, estou estudando...

Enquanto isso, ignorado pelos automóveis que cortam os Eixos

um ipê amarelo sorri em plenomeio-dia.

E um pássaro que por ali avoava, viu e exclamou: bentivi! bentivi!

Nisso o calango viu. As borboletas viram.

O sabiá viu. Flora, fauna, índios - todo mundo viu.

(o brasiliense não, o brasiliense estava ocupado demais para bentivis).

***

Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 01/11/2011
Código do texto: T3310180
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