Memorial poético de uma vida sem lembranças

Não tenho do que lembrar

Nem do que me orgulhar

Nas linhas brancas encravadas

Estão minhas frias lembranças

Que já da cova as cavo

Pra não morrerem com o que trago

E mais um trago de cigarro

Para dar um ar de suspense pra uma história traumática

Sim, porque um pouco de drama não mata

Pelo menos não a quem já está morto

Pois traga o cigarro, sente a bunda

E cale a boca

Não tenho mais pudores

Aqui de onde estou não preciso deles

Nem deles nem de mais nada

Prazeres agora esquecidos

E tudo por terra selado

E por sangue (ou falta dele) atestado

Lembranças? São tantas

Tão poucas e tão vagas

Elas são apenas vultos

Vultos de almas perdidas em corpos

Corpos perdidos em ruas

Ruas perdidas num mundo de desgraça

Se for de lembrar prefiro morrer uma vez mais

A ter que reviver a miséria de ser um humano

E aqui sem lembrança nenhuma espero o perdão

Que a doença não foi capaz de me dar