CINEPOEMA (ULTIMO ROLO)

CINEPOEMA

(ULTIMO ROLO)

“Para todos nós, filhos da, de (e dos) Lumière,

que embora juntos, mas quase sempre solitários,

sentamos-nos na penumbra.

Crentes e devotos perante a sagrada tela,

vitral e portal do tempo,

em respeitoso silêncio nos reunimos em mito e rito.

Assim irmanados, mentalmente ajoelhados e de mãos dadas,

seguimos com os olhos o facho da mágica luz

que na escuridão se move a 24 quadros por segundo.

Assim, em comunhão, sozinhos já não mais estamos,

pois iluminados ficamos e acordados sonhamos.”

“The End” – “Das Ende” – “La Fin” – “Fine” – “Fim”.

Na branca tela, nada mais que o nada.

Corre o pano de boca. Desce a cortina.

Acendem-se as luzes: ribalta e proscênio, sancas e vasos.

Vazias  imóveis agora, as poltronas;

espectadoras silentes, permanentes.

As fitas, celulóides, obedientes,

retornam, rebobinadas,

às suas latas, numeradas.

Estórias e história.

Em partes divididas.

Lembradas, amadas, cultuadas.

Esquecidas.

Cobertos são, os cartazes.

Fotos. Letras. Imagens.

Miragens?

A vida registrada. O tempo capturado.

Em 24 quadros por segundo.

Obturador girando.

Abrindo. Fechando.

Girando.

O carvão, a eletricidade, o arco voltaico,

fazem dançar os raios da luz branca e pura.

Eu, você. Tudo. Todos. O mundo.

E no piscar da fotocélula, a trilha sonora de todos nós:

Risos, palmas, gritos, assobios, suspiros, soluços, lágrimas até.

Mas também canções, muitas canções.

Paixões. Emoções. Ilusões.

Lá em cima, na cabina,

“Bolacha” – o operador – despe seu macacão.

Nos seus olhos, todos os filmes de todos os tempos.

Em suas mãos, a mágica do movimento.

Lá em baixo, o porteiro, o lanterninha, a moça da bonbonnière,

tiram seus uniformes.

A mulher da bilheteria veste um velho casaco,

acende um novo cigarro,

e pela noite se vai.

A ultima chave a ser desligada,

antes de se baixar a porta de aço,

é a do luminoso de néon,

onde brilhava ainda a pouco,

nas cores de um arco-íris:

“Cine Theatro Odeón”

Agora,

a noite é muito mais fria,

tudo é muito mais escuro,

e só se ouve

o som do silêncio.

Todos já se foram,

e novamente solitários,

voltam às suas vidas, aos seus sonhos,

e a este amanhã.

Mas todos que se foram,

levam ainda nos olhos

o cintilante brilho da tela;

nos ouvidos

a música do cinema,

e no coração

um mundo cheio de emoção,

à espera...quem sabe...

da próxima sessão?

T H E E N D

“In memoriam aos cinemas Cine Theatro Avenida, Éden, Santa Clara, São Pedro, Esmeralda, Ozanan, Santa Cecília, Art Palácio, Ópera, Broadway, Metro, Bandeirantes, Olido, Oriental..., alguns dentre muitos que visitei; templos mágicos, máquinas do tempo, de cujas telas recolhi a luz que fez, e ainda faz, brilhar os olhos meus, e que iluminou, e ainda ilumina, a tela da minha vida.”

1895 – 1995: CEM ANOS DE CINEMA = CEM ANOS LUZ!

Plano de fundo: demolição do Cine Eden – Espírito Santo do Pinhal – novembro/2010 (primavera)