Madalena

Conta em tempo mais altivo que Joaquina,

Senhora inculta, bem disposta de arrogância,

Era das damas, quem mais ditava elegância,

Com hálito azedo, a se gabar, sempre ferina.

Cuidava, Joaquina, de Madalena, a solitária,

Jovem esguia de olhar sempre em tristeza,

Que guardava por tal Senhora muda frieza,

E uma devoção obtusa, cega e ordinária.

Joaquina havia feito nada parca encomenda,

E promoveu Madalena, para o dia seguinte,

A ter co´a costureira de mais fino requinte,

Para retirar a peça feita de preciosa renda.

Raiado o dia num tom limpo, tudo ilumina,

Madalena ergue-se apeada logo cedo,

Corre fechar cortinas, seja cuidado, seja medo,

Que a claridade desperte a Dona Joaquina.

Não olvidou do compromisso imperativo.

Vestiu o trapo branco sobre a pele nua,

Tamancos gastos para breve ganhar a rua,

E desferir leves pisadas no barro primitivo.

Tomou-lhe pelos cabelos louros o vento,

E em disparate ao lívido rosto de Madalena,

Fugiu o sol e haja vista que a chuva engrena,

Correu mais ainda a moça em desalento.

Abriu o portãozito do casarão da rendeira,

Que por sua vez adiantou-se co´a sacola,

Entregando-a a Madalena e mais a esmola,

Tão cordial velha e bendita quanto matreira.

Entregou-se sob a chuva, feito folha errante,

Com mui cuidado, e (ai) a sorte, no entanto,

Rompeu no alforje frágil um vil canto,

Por onde a renda pura mergulhou deslizante.

Apavorada confundiu-se, Madalena e a água,

Saltou e na queda perdeu dos pés os tamancos,

Feito a turva água rolou torpe pelos flancos,

E ergueu-se rubra deixando à mostra a anágua.

Corria, Madalena, descalça, e mui aflita,

Co´a renda ensopada, suja de mil cores,

Sentia ,entre a vergonha, bem mais as dores,

E um medo agudo que no peito palpita.

Chegou-se de Joaquina ao entrar no casarão.

A rica mulher suspirou com um que febril,

Ergueu o punho num estupor maldito e vil,

Sem ter quem acudisse a segurar-lhe a mão.

Surrou-lhe, Joaquina, até lanhar a epiderme,

Surrou-lhe até sentir o ódio todo consumado,

Dorme Madalena! Que menor é o teu pecado.

Some Madalena! Sob a terra, vira verme.

Myrna RRP
Enviado por Myrna RRP em 10/01/2007
Código do texto: T342856