O que você vê?

Se me derem um tango,

transformo em suicídio.

As mulheres justapostas sobre a tumba,

olham com a dignidade do tempo antigo,

este que fui eu, o ultraje da palavra,

dormindo o sono da eternidade branca.

Se de meu corpo surgirá o adubo,

ou o dejeto que envenena o mundo,

já não é mais problema para me ocupar.

Chorar por profissão é meu dever,

e se choro em derramadas palavras de pesar,

não diz da secreta alegria que me invade

como um verme que toma posse do hospedeiro.

Já sabem que sou duplo, esquerdo e intangível.

Sou eu quem tece a mortalha da espera,

enquanto as fontes incessantes do verbo

fustigam o dorso impune dos detratores do poeta.

Poesia para que? Para que tanta voz, tanta jura?

Para que tantas flores, tantas orações impuras?

Se meu funeral é a coisa mais risível entre todas,

e se mesmo quando não estava nascido ainda,

ainda assim estive aqui, enganando, trapaceando?

E alguma coisa sobre a lápide repousa,

são corvos do nunca mais, saqueados de Allan Poe,

como toda poesia deve ser quando a estupro.

Um arremedo de quem já disse tudo a ser dito,

antes de mim e muito melhor que eu.

Mas ainda morto estou alerta, estou machucando,

pois poema bom é poema que retalha a carne,

que cola em seu corpo como nome de dama da noite,

faz vomitar e produz espasmos nos genitais,

faz querer morrer só por um instante,

faz querer viver e me exagerar como o deboche.

Sou o seu julgador seu senhor e seu macaco,

sou o circo de mulheres justapostas e enlutadas,

chorando a morte de quem perdeu o senso do ridículo,

criou um poema que não diz nada, é indolente,

ficou maior que a vida e ao mundo nunca pertenceu.