Jeu de fléchettes.



O fazer tem a ver com dissecação.
Tem a ver com a ordem que ponho no caos,
ao fazer de tudo, material e imaterial,
com distanciamento e perplexidade,
as peças inequívocas, imperfeitas,
que apenas existem, e pronto.
Tudo é passível de poesia.

Uma pedra não será menos perfeita
que o exato momento de transcendência,
de um orgasmo puro ou nariz quebrado.
Nada pode contra minha imperfeição.
Nada atenta contra minha dissimulação.
São 5% de limbo absoluto,
onde reconstruo o milagre de oceanos,
e de sepultamento de sentidos.
Não é pra significar.
Não é para me entender.
Não é para ser eu.
É porque a vida corre, a vida nos mata.
Por isso o puro ato de se colecionar.
Meus filhos, meus híbridos, meus esquerdos.
Se são anjos ou demônios,
se são amálgamas ou troncos celulares,
não há o que se perceber.
Não há o que perder por entre o entendimento.

Fazer é vão, e tem a ver com reconstrução.
Tem a ver com não concordar com Deus,
para depois perceber, na obra prima da frustração,
que os poemas estavam todos alí,
gritando de dentro do branco mais profundo,
esperando para serem vistos à luz do dia,
nascidos do meu estilete sem pontaria,
que rasgou o véu da minha arte.

E ser é tão volátil, tão divinamente imenso,
tão estaticamente pequeno, tão inseto,
que tudo depende de seus olhos bem abertos.
Não altere o que escrevo no firmamento,
não interprete meu inferno. Ele não existe.
Mas sempre está lá, inalterado,
numa gaveta do passado, trancado, 
luminoso, insano, intocado.

Decreto o fim do poema, decreto a sublimação.
Meus poemas passam do estado sólido,
como pedra, como corpo, como porrada,
para o estado de gás, como ódio,
como o amor, como anjo, como plasma.
Esse é o propósito da aranha.
É para isso que fomos criados.
É para sermos exercício efêmero,
para sermos um tiro, um dardo.

Daqui pra frente, nada mais poderá ser avistado.
Eu pertenço. A tudo. E tudo, já deve estar acabado.
Caso não esteja, desobrigo a todos
de entrar em meu mundo. Meu lado.
EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 12/02/2012
Reeditado em 12/02/2012
Código do texto: T3494749
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