Eu (hoje)
Hoje sou um palhaço
Pintei minha cara e pus uma máscara
Sentei no banco da praça
Abri minha boca e olhei para o céu
Hoje sou um primata
“Homo Sapiens Sapiens”, o maior da espécie
Intelectual de certezas nem tão verdadeiras
Mentiroso poeta embriagado de dúvidas
Hoje sou uma puta
Mulher vendida barata por umas poucas moedas
Mendigando amor de pedintes ou banqueiros
Deitando em camas imundas com os olhos vendados
Hoje sou um artista
Pisando descalço em cacos e palcos
Encenando uma comédia que nunca tem graça
Para uma platéia que nunca me vê
Hoje sou uma donzela
Aguardando ansiosa por um vampiro banguela
Sonhando com uma noite eterna de fodas e sangue
Embalando meu sono em um quarto cor-de-rosa
Hoje sou um pivete
Entorpecido por uma lata de cola
Corpo esquálido e faminto tiritando em frente a um semáforo
Assustando madames e mamães que voltam das compras
Hoje sou um maníaco
Bandido vil sem escrúpulos ou culpa
Gozando gostoso um assassinato ou estupro
Enquanto me distraio alegre em frente à TV
Hoje sou Deus
A perfeita palavras
Auscultador e emissor de toda fala
Maldito e Bendito Senhor de todos os homens
Hoje, enfim, nada sou
Porque o verbo se desfez com o sopro
Sumi como areia que escorre por entre os dedos
Calou-se minha boca que nunca nada disse de novo
Hoje não existe
Porque não se pode reter um instante
Porque em um mundo deveras distante
Meu silêncio se apagou