Invenção
Ele tem a chance de ouvir seu coração,
dizendo a ele que é o único.
Aguarda que a luz seja apenas dele,
para abandonar sua própria vida
junto à maquiagem do backstage.
Ele faz uma bela prece,
mesmo não tendo religião,
para que volte a ser ele mesmo,
logo que as cortinas se fechem.
E ele se sente novo, todas as vezes,
porque as falhas estão todas alí,
ao alcance da primeira palavra errada.
Mas quem fala é seu jogo de cena,
e apagando-se as luzes da ribalta,
morrem todos os pecados que não são dele.
De resto é a espera do ator.
Este, cujo rosto ensina mais sobre o mundo
do que a infelicidade de cada um.
E a infelicidade de todos adormece,
porque num instante mágico,
num para sempre de segundos,
a dor e a felicidade podem ser abandonadas
quando o palco fica vazio.
Só há uma forma de se escapar do mundo.
E até a morte encena o monólogo das coisas.
Inanimado, o ator entende o vazio de seu palco.
Construir para não morrer,
do ar e dos gestos de dança equivalentes,
entender a escuridão do coração alheio,
que sofre, compreende e depois se esquece.
O que irá mudar à partir da fala,
será a manhã cinzenta do dia seguinte.
Mas nem o cinza de manhãs de má vontade,
pode calar o que diz a fala de alguém que aguarda,
quando está sobre um tablado iluminado,
dizendo coisas que aliviam a alma,
e que ligam a dor de ser só isso,
ao mundo maior que o próprio medo.
O ator não será mais ele mesmo,
quando for o portador da invenção,
o portador da verdade em várias versões,
desejando apenas roubar um pouco do tempo,
para dele fazer aquilo que seu coração,
este tolo mecanismo de sobrevivência,
entende como eternidade.