Invenção





Ele tem a chance de ouvir seu coração,
dizendo a ele que é o único.
Aguarda que a luz seja apenas dele,
para abandonar sua própria vida
junto à maquiagem do backstage.
Ele faz uma bela prece,
mesmo não tendo religião,
para que volte a ser ele mesmo,
logo que as cortinas se fechem.
E ele se sente novo, todas as vezes,
porque as falhas estão todas alí,
ao alcance da primeira palavra errada.
Mas quem fala é seu jogo de cena,
e apagando-se as luzes da ribalta,
morrem todos os pecados que não são dele.

De resto é a espera do ator.
Este, cujo rosto ensina mais sobre o mundo
do que a infelicidade de cada um.
E a infelicidade de todos adormece,
porque num instante mágico,
num para sempre de segundos,
a dor e a felicidade podem ser abandonadas
quando o palco fica vazio.

Só há uma forma de se escapar do mundo.
E até a morte encena o monólogo das coisas.
Inanimado, o ator entende o vazio de seu palco.
Construir para não morrer,
do ar e dos gestos de dança equivalentes,
entender a escuridão do coração alheio,
que sofre, compreende e depois se esquece.

O que irá mudar à partir da fala,
será a manhã cinzenta do dia seguinte.
Mas nem o cinza de manhãs de má vontade,
pode calar o que diz a fala de alguém que aguarda,
quando está sobre um tablado iluminado,
dizendo coisas que aliviam a alma,
e que ligam a dor de ser só isso,
ao mundo maior que o próprio medo.
O ator não será mais ele mesmo,
quando for o portador da invenção,
o portador da verdade em várias versões,
desejando apenas roubar um pouco do tempo,
para dele fazer aquilo que seu coração,
este tolo mecanismo de sobrevivência,
entende como eternidade.
EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 04/03/2012
Reeditado em 04/03/2012
Código do texto: T3535400
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