NEM TUDO QUE RELUZ PARECE SER O QUE PODERIA SER

nem tudo que reluz

parece ser

o que poderia ser:

o ouro não cora o ameralo-luz do dendê,

nem todo o menino de rua é menino de esquina

e nem o para é pára

quando a arma

ama o beijo;

nem tudo que reluz

parece ser

[depende da situação]

quando um branco foge ou um negro corre

e alguém dita numa sucessão de gritos:

– Pega o ladrão!...

nem tudo que reluz

parece ser

o que poderia ser:

o presente de Yemanjá não será perfume ou sabonete,

mas, sim, um espelho onde vou me ver

com um simples ajuste de mãos,

pode ser;

nem tudo que reluz

parece ser

[depende da situação]

se jogarem o balaio na enchente ou na vazante

do ir ou não

quando a maré provoca um diz-que-diz

numa onda sem arrebentação...

nem tudo que reluz

parece ser

o que poderia ser:

uma mulher quando sozinha, tida como uma titia,

nem mesmo sabia, nem mesmo sabia

o que debaixo da saia dela havia;

nem sabia;

que nem tudo que reluz

pode ser

[ou não ser]

uma roda de saia com atabaques

com a quentura dum remelexo redondo pronto pra fritar

[depende da situação]

quem samba fica quem não samba vai embora

dos recôncavos pontos que mora na vista

dos habitantes

desta minha Salvador,

onde,

nem o ouro cora

o amarelo-luz do azeite-de-dendê.