O legado de Brahms
Os significados do que eu não disse,
como um verme ficaram, ocultos,
entre a lacuna exígua e silencisa,
de uma palavra e outra da história.
Compus música para quem caminha,
e para quem já vai longe daqui.
Compus pra não perder o costume.
mas o certo seria, nesses dias,
calar os instrumentos e as rimas.
E só porque sou a teimosia em pessoa,
é que ergo minha batuta para o deserto.
Obrigo o universo a produzir música,
e com ela, obrigo os átomos a se juntarem.
De suas ligações nasce a metrópole.
Da metrópole, nascem os habitantes,
e nos habitantes, nasce o peito que grita.
Mas em seus peitos, nada mais nascerá.
Nada além daquilo que é necessário,
pois as coisas simplesmente são como são.
Por aqui, neste lugar onde nada mais ecoa,
meu trabalho está terminado.
Quem observar, do outro lado do horizonte,
me verá de costas, com as mãos sangrando,
brincando de Deus, criando o universo,
mas com muito menos talento,
sofrendo terrivelmente pela imperfeição.
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Imagem: compositor alemão Johannes Brahms (1833-1897)
(Este poema foi inspirado em sua sinfonia nº 4 em mi menor, opus 98)