O encanto
Anoitece no campo,
Deixando a moreninha, sonolenta
Já a rondam sonhos de lugares distantes,
De feitos impossíveis,
De frases desfeitas...
Ela reluta em dormir,
Tem sede de vida,
Quer aprender...
Mas o sono a embriaga
A seduz e a encanta
E ela necessita adormecer...
Exausta se lança em seu leito,
Com cabelos em tranças.
Cerra os olhos e sonha...
Mas o sonho é estranho, parece real...
Um corvo aparece em seu umbral,
Com suas penas azuladas
E um olhar perigoso
De um negro intenso, de tom sepulcral.
Ela estremece com medo.
E tenta se afastar
Mas o mesmo olhar que a apavora também a fascina
E instiga a menina, como por feitiço,
a seguir o mal.
O ser maligno,
Com seu instinto perspicaz,
percebe o fascínio
Reforça o feitiço e abre suas asas,
A seduzindo a voar.
Ela encantada cede ao desejo de ganhar os ares
Sem horas, nem datas para voltar.
E ela o segue, vislumbrando as estrelas,
Alcançando a Lua,
Sentindo os aromas das arvores
E a brisa do mar.
Esquece a ameaça,
É toda pureza...
Seus olhos se abrem tal qual portais,
Pro novo entrar.
O Corvo matreiro chega ao destino,
Desliza macio por um desfiladeiro
E faz a menina desembargar.
E a pobre menina se vê abandonada
Num medonho lugar,
Só então ela acorda do transe maléfico,
Com pavor ela chora e grita
Ao se ver perdida, sem ninguém pra ajudar.
O guardião das trevas,
Um guerreiro moreno como a menina,
de corpo viril,
Com o rosto em mascara,
No olhar um mistério
Escuta o lamento,
Vem curioso sondar...
Quem é a jovem tão assustada e linda
De tranças nos cabelos e medo no olhar?
Quem carregou essa inocente,
A jogando nas trevas,
onde ninguém suporta ficar?
Mas já não importa quem a trouxe,
Nem porque veio,
Ele é o guardião desses domínios,
E uma vez tendo entrado,
Ela jamais partirá.
Ao vê-lo, mesmo amedrontada,
Ela implora clemência,
Força a saída, tenta lutar...
Mas o guerreiro é forte,
Forjado na luta, é quase infalível,
A aprisiona ao seu corpo,
Sem sequer se esforçar...
Então a menina desconsolada,
Com as esperanças perdidas,
de conseguir escapar...
Em prantos inicia um lamento,
Um canto tão triste,
De dor tão profunda...
Que toca o guerreiro
Onde armas jamais poderiam tocar.
E o tal guardião,
Ao ouvir o lamento,
Recorda surpreso,
Que até mesmo ele,
Tomado de escuridão,
Carrega no peito um mortal coração.
Cai sua mascara de perversidade,
Revelando que ainda há luz em sua face,
Não resiste ao impulso,
Enxuga as lagrimas da bela menina,
E a leva em seus braços pra longe de lá...