CANTO MACABRO (ou A morte da puta)
A noite engoliu Ester,
a que era estrela
e até hoje era mulher.
Ester abriu as pernas,
para caminhar com firmeza
por ruas eternas.
Os homens falam de Ester:
o que ela fazia,
para quem ela deu.
Mentiras pululam,
pois quem podia negar
já morreu.
Ninguém chora.
Lágrimas são
para quem merece.
E Ester, a puta do bairro,
não merece.
Eles assim dizem.
Velam pelo corpo
que recebeu tanto esperma.
"Era uma devassa!"
Canta uma cristã impiedosa,
cuja fé é apenas externa.
E a noite avança.
Alguns cochilam.
E o vulto de Ester se ergue,
escondido nas sombras, se revela.
Os que bebem pressentem:
há presença estranha na sala!
E choros de criança,
de várias crianças abortadas,
gritam pela noite:
"Pai, me socorre!
Minha mãe morreu!"
Os homens que comeram
aquela carne dada aos vermes
tremem de medo:
Deus está vendo!