Covardia

Procuro as palavras certas

Para cada momento vivido.

Palavras que não firam os outros.

Mas, acabo por ferir-me, em alma.

Ferimentos pequeninos,

Quase imperceptíveis a olho nu.

Minúsculas fissuras dentro d’alma

Que fazem escoar

Pequenas gotas do sentimento bom

Que circula de veia em veia,

Regando o corpo com coisas boas.

E, faltando o néctar doce da vida,

A amargura do viver

Pode ser sentida na língua

Como limão caído do pé

E espremido em copo com sal.

O gosto amargo do que vai dentro do peito

Tortura aos poucos, fazendo-nos morrer, a cada dia.

Uma morte lenta, por vezes sem dor,

Que vem nos abraçando a cintura

Tomando-nos de assalto

E nos dizendo, ao pé do ouvido:

“ – Vamos! Sua hora é agora!”.

Morremos aos poucos

Quando nos faltam as palavras

A serem ditas.

Quando nos faltam o ar e o fôlego

Para que gritemos à felicidade.

Quando nos falta a energia

Para que caminhemos com passos mais largos.

Quando nos falta a coragem

Para que evoluamos, enquanto seres pensantes.

Seres pensantes

Que nos atrevemos a ser.

Que achamos que somos.

Somos e não somos.

Deixamos de sê-los

Quando nos esquecemos

De ligar o pisca – alerta

Em dias de falta de humor.

Deixamos de sê-los

Em dias acinzentados

Rebuscados pelas amarguras

Que azedam a alma

A saliva, o mais doce sabor

Que consigamos sentir nos lábios.

Deixamos de sê-los

Quando deixamos de emanar

A que viemos.

E então seguimos assim...

Por vezes, com os pés nos trilhos.

Noutras, saltitando entre os dormentes

Até que prendamos nossos pés

E acabemos atropelados.

Espatifados em nossa própria ignorância.

Engolidos pela voz gigante

Que nos grita todas as manhãs:

“ – Seja gente! Evolua!”.

E por não querer evoluir

Torna-mo-nos covardes.

Odeio covardia.

Odeio gente morna.

Que não sabe se esquenta

Ou se congela, de uma vez.

Gente estranha.

Que não sabe se vai adiante

Ou se estatela o corpo

À espera do passar da vida.

Uma vida tão insossa.

Que não tem sabor nenhum

Além de leite desnatado e sem açúcar.

Algo sem a magia da aventura.

Do sentir aquele frio na barriga

Aquela tremedeira toda,

De uma hora para outra.

Coisa boa de ser sentida.

A injeção de adrenalina

Para que o cérebro não atrofie

Por somente enxergar em escala de cinza.

É triste ver nos dias de hoje

Que ainda há pessoa assim.

Que corre para baixo da saia da mãe

Toda vez que lhe batem os pés.

É patético ver cena assim.

Um viver quase que sem vida.

Um querer sem ter quisto.

Um ser e não ser.

Por medo.

Por receio de ecoar o que sente.

Por medo de sentir

O que vai n’alma.

Por lutar com o coração.

Por fingir não ouvir a voz

Que nos grita todas as noites.

Coisa feia, coisa boba.

Tão mais fácil dizer.

Tão mais gostoso sentir.

E por retribuir

O que é sentido ao nosso favor.

Coisa estranha.

Talvez, um dia eu entenda...

HELOISA ARMANNI
Enviado por HELOISA ARMANNI em 22/06/2012
Código do texto: T3738707
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