DEVOÇÃO

DEVOÇÃO

Sento-me nas escadarias

Da igreja para rezar,

Ver os vitrais, os santos, os mármores

E, se a alma se cansar, entrar.

Visitar antigos genuflexórios

Gastos de penitências e preces,

Coisas que o corpo cansam

O espírito robustecem.

Nessa minha contemplação

Relembrar mártires e cadafalsos

Fogueiras, flechas e crucifixos

Amplos, carregados de justiçados.

Os sinos desdobram-se em chamadas.

Os aldeões comparecem.

As faces cruas, rudes, enrugadas

Se aliviam e descontraem.

O branco do linho, alvo e gasto

Contrasta com o negror dos bancos,

Com a negritude das anáguas

Dessas senhoras, balofas e pias

Que aqui se sentam todos os dias

Para rezas à Sacra Maria.

Dentro do templo estão todos

Os pecadores deste canto do mundo.

Movimentam os lábios, suam

Contam as contas dos terços

Em silvos e ruídos.

Uma família de ciganos

Abre sua tenda na praça.

As mulheres amamentam os filhos

No centro da tarde clara.

Trovões devoram a natureza e a calma

Que haviam diante do altar.

Assim seja!

Os homens se levantam

As mulheres se lhes dependuram.

Saem para a chuva

Que lhes lava os corpos, os ternos

Lhes ensopa as anáguas, os pecados

Recém-lavados.

Caminham na chuva

Enfeitando de branco

A terra escura.

Devolvo-me às escadarias,

Enfrento a calmaria.

O vento sopra, os crentes tremem.

Tudo volta a ser como antes

O calor, o tremor, os pecados

Só que agora é noite

Os cães ganem, a lua aparece.