DIACÍDIO

Falta bem pouco (que hoje é domingo)

para que se inicie o diacídio.

O tempo é pouco, muito raro um tempo

solto

mesmo sendo tão frio.

Revestido por lãs e algodão

repousado no berço do guerreiro

conflitado pelo meu Deus

Aliás, Deus (Onde está Deus?

Quo? Pergunto-me no silencio exasperador.

Quo? Pergunta-se o poeta no labor do pão)

não sofre os rigores do frio

da entrega do dia para o assassínio,

para o degolo.

Amanhã (e que todos os amanhãs

rescendam a esperanças)

entre letras, números, tipos dactilográficos,

papéis

vencerei mais uma partida, confinarei

mais um dia na cela da inevitável.

Amanhã, à noite, haverei trilhado

mais um pedaço do caminho

com os músculos inquietos pelo frio

as costas vergadas por estar sentado

nessas cadeiras modernas, higiênicas

onde, no diacídio, além do desconforto

carrego o peso do meu fardo.

A vida inicia-se no metropolitano

(Quinze minutos mais e eis-nos

às portas do matadouro)

nos ônibus, nos novos modos de viagem,

de acelerar o desenvolvimento,

sob a névoa da manhã paulistana

que trás esse frio bate dentes,

estremelica peitorais e bíceps,

as mãos nos bolsos,

o peito triste (já conformado)

sem antigos denodos

sem alma guerrilheira

apenas preocupado com o frio,

relutante em entregar o dia.

As lembranças de parentes mortos(RIP), velhos

dias de sol que eu cria para sempre

onipresentes

e há tanto ausentes.

Ah, ensolaradas manhãs de julho...

Goiaba de vez...Dias de fazer nada,

apenas crescer e escrever um pedaço

da história de um menino cotidiano.

Ê lembrança de hora ruim!

O frio, o conflito, o dia

essa entrega paulatinada

o almoço amanhã, Deus

o café quente, o primeiro cigarro

a tosse, a caneta, os números

a cadeira (desgraçada) o fardo

Á, pilhérias...

Nem sei mais se isso é desgraça ou

poesia