ERIGIR
ERIGIR
P/ Luiz Gama Filho
(exempla trahunt)
QUEM é este homem
De pé sobre as longas pedras
As pernas de granito fincadas na terra
Os olhos de menino perdidos ao longe?
Um monumento de sabedoria e crença
Que se ergue, impávido;
Um homem que alcança seus olhos
Saxífragos soltos sobre as montanhas.
Seu corpo tem a textura
De uma massa uniforme e pura.
Seus pés pisam o peito das pedras
Para que elas se abram.
Nelas, deposita a semente
De seu cerne
Que faz brotar árvores
Crescerem pomares
Que frutificam e saciam
A sede dos meninos
Que levarão, em seus caules rijos,
O conhecimento de tudo haver
Brotado do homem que trabalha
Com afinco sobre a terra.
Quem é esse homem
Que embranquece calmamente
Sob a luz do céu nascente
Construindo uma idéia
De mãos laboriosas?
Da terra crua ele retira o ferro
Encandece-o com a saga
De seu trabalho
E persevera, insiste, persevera
Até que da coisa rude
A alma pule
E eis pronto o milagre do homem:
Plantar na terra
A alma que persevera.
O vento uiva com a idolatria pagã
Dos lobos que cantam para a lua.
E ele lá, de pé, sobre as rochas,
Calculando quantas vezes será necessário
Que suas mãos se dilacerem
Para lapidar as pedras
Que unirão as montanhas.
Lá embaixo, águas turbulentas
Movem-se em desgoverno.
O homem a tudo contempla,
Imperioso, como quem sabe o segredo
Que move as águas
Que faz perder o medo
Que faz o homem ser ponto
Deitando-se entre abismos
Para que sobre ele
Passem pés alheios.
À sua frente,
O que era agreste e árido se suaviza.
Suas mãos fortes, que o tempo vai erosando,
Acariciam o futuro que vai se formando,
Andorinhando, andorinhando...
Quem é o homem impassível
Que faz brotar sementes
Para a seara de todas as gentes?
Que dessa rocha impossível
Fez minar água pura
Que regou o broto tenro?
O broto fez-se árvore
A árvore fecundou a terra
A terra expulsou as pedras
Para que em si entranhassem
Raízes e sementes
Que espalhassem para as novas gentes
Seus frutos e sumos
Para matar a fome
Que ensina e aprende.
O homem, ao ver daquilo
Que fora deserto
Um pomar repleto
Renovando a paisagem
Dando ninho a tantas aves
Fez como as águias da montanha
Que abrem suas asas
Mergulham no infinito
Para povoar rochas estranhas.
Antes de desaparecer
No mais alto azul
O homem olhou para trás
Sorrindo feliz pela sua construção
E os seus olhos eram olhos de menino
Com o peito aqui
A cabeça no infinito.