ESQUECER AMAR

ESQUECER AMAR

Chega um tempo

em que não mais se diz:

te amo. E todo o corpo

é planura de desejo

amontoada no lençol desfeito.

Os filhos não-tidos

divertem-se na expectativa

de um par de olhos

de pernas

peitos

Idade da razão mais absoluta

Folhas em branco (ou não)

que o vento carrega aos esgotos

fazendo fluir de dentro

bibliotecas inúteis

Horas debruçadas na escrivaninha

em busca da palavra que perfure

perfume

a carapaça sartriana.

Chega o tempo em que se diz:

bendito fogo, o de Alexandria!

O homem é língua e palato,

carne e sangue urgentes

de carne e sangue.

Acena-se às filosofias, cabala

ao academicismo de mudar o mundo

às revoluções de cada minuto

olhando com desprezo os heróis;

abraça-se ao travesseiro e chora

implorando logo o fim dessa hora

quando chega o toque do asfalto

da meia-lua perfeita no peito

obrigando o civilizado a retroceder

dando lugar ao homem-n'algum-lugar

que ergue seu tórax e imprime

a marca de seus pés no sonho

de outro homem

que tudo pensava,

antropoteórico

sentado diante de si próprio

enjaulado em seus espelhos

Perde-se a noção do tempo

em que se dizia "te amo"

Tudo é risível, ridículo

Até mesmo as missivas

documentos oficiais e processos penais

Quando o homem cede às lembranças

o seu hoje é gesto de abandono

morre cada vez mais perto

ao esquecer como se diz te amo.