Gestação
Desvairada corre por becos e ruas
A indefesa criança
Esconde-se atrás de cada sombra
Cada vulto é ameaça presente e constante
Os gritos irrompem sufocados na garganta
Lamentos inúteis
Ela é criança, sozinha, perdida
Desesperançada criança esquecida
Não brinca, não pula, não sorri
Esconde-se, isso é normal
Tão normal quanto a Morte que a espreita
Em cada curva da estrada
Sente olhos que queimam, torturam
Não há nada além da escuridão
Mas eles estão ali
Olhando, perscrutando, observando...
Ela não quer se deixar vencer
O medo é presente e, num relance
Pensa em sua mãe
Linda, jovem, morta por seu pai
Morto, a cabeça estraçalhada
Queria-os aqui, agora
Mas não existem
Seu único refúgio
São aqueles olhos
Ela resiste
Ela desiste
Entrega-se à sua única mãe
A negra e fria
Mãe-Morte.
CARLOS CRUZ - 1990