A gata

A gata branca tinha um olho verde e outro azul

mas para mim ela era como uma aranha.

Que pena eu tinha de a não amar,

que pena eu tinha do seu ronronar em mim não ter eco.

E sempre que a gata vinha eu ia

e ela ficava mais triste mais só.

Sim, ela tivera casa, almofada e mesmo um nome

depois nasceu um menino e ela foi para o quintal.

Como ela soube então que as noites eram azuis,

o luar, o cheiro da terra molhada e tudo o mais.

Mas um dia a casa ficou vazia.

Aqueles de quem ela tinha sido e seus se diziam

fizeram malas e levaram tudo o que havia,

foram-se deixando a porta fechada.

Só ela ficou, toda branca um olho verde outro azul.

Passaram noites, dias longos e silêncios.

Depois cheguei eu, as flores e os risos,

a casa enchera-se outra vez, mas ela não entrou.

Rondava, olhando-me como intrusa.

Passou o verão, houve noites de chuvas

Noites azuis e de estrelas que nevavam.

E numa delas chegou um menino, o meu menino.

Então amei-o, amei-o daquele amor à vida

transbordante e doce, até às coisas pequenas.

E quando um dia a gata se foi deitar

em meu casaco numa cadeira esquecido,

olhei-a e não a pude enxotar.

Eugénia Tabosa
Enviado por Eugénia Tabosa em 19/02/2007
Código do texto: T386419
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