PAISAGEM DA MULTIDÃO QUE VEIO VER O ÚLTIMO DIA

PAISAGEM DA MULTIDÃO QUE VEIO VER O ÚLTIMO DIA

Todos aqueles homens

Postados de joelhos

Com os joelhos tremendo

De tanto medo

Todos aqueles homens

Que não tinham nomes

Todas aquelas mulheres

Todas aquelas marias

Vinham gotejando suas lágrimas

Salgando o ar do dia

Muitas delas não percebiam

Que de medo o sangue escorria

Sangue fértil empapando

O chão que fazia brotar

Nas frestas do cimento

Ramos de margarida

Pisadas pelos homens

Em seus estremecimentos

Os jovens, hormona mocidade

Entoavam canções

Levando àquela cidade

Paz aos medrosos corações

Que empoleiravam pelo chão

Esperando cumprirem a promissão

As crianças choravam

Suadas e assadas pelo calor

Os pais as embalavam

Estremecendo de horror

Esperavam, todos esperavam

O sol se por

Os cães que uivavam e latiam

Eram chutados e pisoteados

Pelos pés que corriam

Na esperança de serem os primeiros

Para não serem condenados

Os cães urinavam nos canteiros

Pouco a pouco o sol se escondeu

Restando apenas o céu rubro

Um grito a todos estonteceu

Predizendo mau agouro:

Alguém rolou pelas escadas

A multidão chorou e gritou em coro

Por fim, o noturno

Hora marcada para o final do mundo

Os mais fortes contemplavam

Os fracos se lamentavam

Os crentes degolaram os cães

Os rudes grunhiam palavrões

A noite passando

Nada acontecia

Foram se afastando

Já que amanhecia o dia

E a ordem do rei era sangrar

As mãos de trabalhar

Rindo, iniciou-se o disse me disse

Já que não viera a besta do apocalipse

Afastaram-se todos, velhos, beatos, aldeães

Restando apenas os cadáveres dos cães

Que começavam a cheirar mal

Naquela rua principal

Os homens voltaram para casa

Eram novamente viris. Esquecidos

Da passageira impotência

Lambuzavam suas mulheres

Cumprida a abstinência

As mulheres sussurrando indecências

Por muitas vezes o sol nasceu e morreu

Nada acontecia

Por fim, o povo se esqueceu

Daquele tenebroso dia

Quando temente e desesperado

Postara-se de joelhos no último dia.