ESTRUPADA POESIA

Vejo uma mulher nua,

De olhar medroso, envergonhada,

Estuprada que foi pelo tempo.

Vejo uma criança esquálida,

O braço estendido já sem razão,

estuprada que foi pela insânia.

Vejo uma rua antiga

antes florescida e ensolarada,

agora escura, ensandecida,

estuprada que foi pelo desvario.

Vejo em brumas, enegrecidas,

amputadas árvores “insocorridas”,

estupradas que foram

pela ganância insensível.

Vejo um rio sedento,

numa inútil corrida ao mar,

estuprado que foi pela negligência.

Vejo uma ave caminhando,

cega e incerta, asas tolhidas,

estuprada que foi pela humana cegueira.

Vejo um mico estuporado,

com um olhar mortiço, indeciso,

estuprado que foi pela ignorância.

E vejo multidões esquecidas,

feridas, estraçalhadas, mutiladas

estupradas que foram

por ignóbeis bombas sem sentido.

Vejo insensatos pregadores,

bradando castigos, catástrofes,

estuprando incautos, pela fé.

Vejo nuvens negras, tristonhas,

enfurecidas e tempestuosas,

estupradas que foram pela surdez.

Vejo calçadas brotadas

de corpos rôtos

e mentes feridas, esquecidas

estuprados que foram

pelo esquecimento dos poderes.

Vejo tanto ódio que mata,

insanidade que tortura,

iniqüidade que destrói,

omissão que corrompe,

que, desolado, me encolho

à minha poesia estuprada.

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