Doce Arte de Voar

Venho de vidas muitas

Rodopiando por terras diversas

Em busca do pó mágico da felicidade.

Pinto sonhos, escrevo versos

Desenho rostos conexos, desconexos

E quase toda noite

Acabo ilhada em minhas lembranças.

São tantos os pensamentos!

Recordações sem fim

Sem sentido.

Converso em sonhos

Com pessoas tão conhecidas d'alma

E mal as vi, em carne.

Por vezes, sorrio.

Noutras, o colo seria um bom conselheiro.

Quero doçuras, suspiros.

Mas, há dias em que

Todo o doce que oferto

Transforma-se em azedume, amargura.

Então, beijo os que amo

E tão somente me deito.

Deitada, cabeça flutua

Pés balançam no ar

Ao som suave da melodia preferida.

E assim, viajo.

Volto no tempo.

Teletransporto-me a tantas visões

Que, muitas vezes, embaralham-se

Deixando-me mais e mais confusa.

Confusão sem tamanho

Querer entender os tantos quês

Os lugares conhecidos na memória

Guardados através dos lençóis de tempo.

Seria tudo tão mais fácil

Se no fundo houvesse conexão.

Mas, acho que a conexão exata

Deixaria tudo sem cor.

Ou talvez com cores de aquarela.

Daquelas que fogem

Ao leve toque d'água

Em meio às pinceladas

Que a vida dá.

Queria fechar os olhos

E poder sentir na pele

O arrepio de cada beijo dado.

Olhar pelas janelas d'alma

E ver a chuva levando

Com seus leves pingos

Toda a poeira

Que impede-me de voar.

Voaria de asas abertas, enormes.

Alçaria um voo sem rota,

Daqueles em que a gente ouve

Aquele vozinha que nos fala

Lá dentro do peito

Em meio às artérias, aortas e ventrículos.

Vozinha boa.

Mas fala tão baixo...

Quase criança pedindo perdão

Quando apronta

E sabe da bronca que irá levar.

Seria essa delicadeza toda

O quê todo ímpar

A nos mostrar

Que, no fundo, não devemos lembrar

Dos tropeços, das areias movediças

A nos engolir, aos poucos

Vida após vida?

Então, por esquecimentos

Talvez venhamos buscando os sorrisos.

E, por mais que os encontremos

Nem sempre estamos com os dentes alvos

E o hálito fresco

A retribuir com beijos

O brilho dos dentes alheios.

Hoje o céu está laranja.

Tão pincelado

Que mais parece desenhar minh'alma.

Há dias em que o rosa

Denota a delicadeza dos sonhos.

Noutros, o acinzentado das nuvens

Convida-nos a reflexões solitárias.

Daquelas que, de tempos em tempos,

Deveria ser prescrita em receituário médico.

Talvez assim deixaríamos

De nos preocupar tanto

Com as receitas azuis

Dos controlados psiquiátricos

E prestaríamos mais atenção

Às boas e velhas receitas

Do tempo das avós.

Talvez estejamos olhando

Num espelho invertido.

Todo cheio de pequeninas fissuras.

E assim esperamos enxergar

Tão somente o belo.

Somente quando nos dispormos

A navegar pelos mares d'alma

Em noites de tempestades

Sem Código Morse

Ou mapeamentos modernos

É que possamos nos considerar

Seres humanos.

Seres capazes da inteligência

Para a qual fomos criados.

Antes disso, apenas devaneios desconexos.

Como os que perturbam o sono

Em noites de lua minguante

E ventania soprando na janela.

Insônia solitária

À espera dos caminhos

Iluminados por pequeninos vaga-lumes

Ao aroma da madrugada

E ao delírio das noites de felicidade sem sentido.

Por no final das contas

O sentido todo é mero coadjuvante

Na doce arte de voar...

HELOISA ARMANNI
Enviado por HELOISA ARMANNI em 18/09/2012
Código do texto: T3887454
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