Os sapatos.

Ainda consigo recordar como eram os dias dentro dos meus sapatos.

Eram como mulheres: instáveis e necessárias.

Ainda posso tocar aqueles dias. Mais só em pensamentos.

Ainda recordo aqueles dias com certa plenitude

E com certa ressalva nas mãos.

Ainda lembro dos galhos da árvore pálida

Que dormia na frente da minha casa.

Dos amigos, dos professores, do cuscuz, e o cheiro forte de sonhos.

Ainda lembro do quintal

Do varal, e da pipa que impinava com a linha fresca...

Lembro também das meninas tomando banho com aquelas blusinhas brancas

E das primeiras aventuras no meio do mato enquanto eu dormia.

Lembro das ruas sempre caladas

Do cais, das putas, dos vestidos de bordado das mulheres fiéis

Das separações e também lembro da minha imagem

Refletida nas águas, nos vidros

E nos olhares das pessoas que me cercavam...

Aí, vem Deus e suas dúvidas

E me dá um dom.

Vem os anjos e suas peles rosadas

E me dão sentimentos.

Vem a vida e seus pecados

E me dão ensinamentos.

Aí, vem os homens e sua mecânica.

E sem pedir licença

Acordam a árvore pálida, esmigalham o cuscuz

E abafam o cheiro forte dos sonhos

Dos mesmos homens

Que um dia foram essa crianças.

Francisco Hawllrysson.

Francisco Hawllrysson
Enviado por Francisco Hawllrysson em 23/02/2007
Código do texto: T390610