Os sapatos.
Ainda consigo recordar como eram os dias dentro dos meus sapatos.
Eram como mulheres: instáveis e necessárias.
Ainda posso tocar aqueles dias. Mais só em pensamentos.
Ainda recordo aqueles dias com certa plenitude
E com certa ressalva nas mãos.
Ainda lembro dos galhos da árvore pálida
Que dormia na frente da minha casa.
Dos amigos, dos professores, do cuscuz, e o cheiro forte de sonhos.
Ainda lembro do quintal
Do varal, e da pipa que impinava com a linha fresca...
Lembro também das meninas tomando banho com aquelas blusinhas brancas
E das primeiras aventuras no meio do mato enquanto eu dormia.
Lembro das ruas sempre caladas
Do cais, das putas, dos vestidos de bordado das mulheres fiéis
Das separações e também lembro da minha imagem
Refletida nas águas, nos vidros
E nos olhares das pessoas que me cercavam...
Aí, vem Deus e suas dúvidas
E me dá um dom.
Vem os anjos e suas peles rosadas
E me dão sentimentos.
Vem a vida e seus pecados
E me dão ensinamentos.
Aí, vem os homens e sua mecânica.
E sem pedir licença
Acordam a árvore pálida, esmigalham o cuscuz
E abafam o cheiro forte dos sonhos
Dos mesmos homens
Que um dia foram essa crianças.
Francisco Hawllrysson.