a plenos pulmões

(para Maiakovski)

entre os livros da prateleira

encontrei meu passado

e consagrações para o além

descobri-me uma tagarela

recordei das falas repressoras de minha mãe

e das palavras de incentivo de meu pai

mal sei dizer se algum estava certo

mas sei dizer das lixeiras

como elas nasci com uma queda

um leve pendor para a sarjeta

becos escuros e fétidos

meias furadas e para a decadência

lembro-me ainda das cuecas samba-canção

penduradas no varal de minha avó

e do primeiro sexo anal

sem sabão

e nem me olhe com essa cara de repressão

gosto de agredir olhos

já que os ouvidos são acostumados

com palavras de baixo calão

e tenha certeza que o jornal é pior

bem pior que minhas palavrinhas imundas

putas e infiéis são rasgadas de orelha a orelha

todos os dias, mas parece que não são humanas

ninguém se importa com os cães sarnentos

ou com as goteiras do domo central

quem há de olhar a propriedade alheia

e se agarrar à ordenha de gravatas?

pintem os cabelos e os olhos de preto

pois os vestidos são frágeis e podem puir

amarrem os tornozelos para que os escravos

permaneçam à vista e cativos

é preciso calar o jovem que se rebela

vejam quão fundo é sua crença

saibam quão lúcida sua vidraça

se nada der certo cortem sua goela

não peço que bajulem os críticos

ou que cortem suas unhas antes

da ceia de Natal

mas peço que calem sua boca

e iremos felizes suportar o luto

do escritor vagabundo que ousou

e vistam-no de branco para ressaltar

o que não foi dito

ontem fui até o velho casarão

o mesmo onde passei minha infância

e nada lá era como antes

nada lá era mais meu.

Larissa Marques
Enviado por Larissa Marques em 28/10/2012
Código do texto: T3956349
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.